A princípio, a resposta parece ser sim, mas há nuances importantes a serem levadas em conta. Curiosamente, a Arábia Saudita enviou representantes para participar do encontro de sherpas do BRICS no final de janeiro, no qual se reuniram articuladores e negociadores de cada Estado-membro do grupo, servindo de preparação para o futuro encontro de chefes de Estado programado para a segunda metade deste ano. Contando com a participação de novos países — Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos e Irã —, o BRICS estendido terá sua próxima cúpula na cidade de Kazan, na Rússia. Com a expansão, o grupo inaugura sua presença política no Oriente Médio (devido ao Irã e aos Emirados Árabes Unidos), assim como no Norte da África (através de Egito e Etiópia). Com uma esperada entrada definitiva da Arábia Saudita, o BRICS controlará praticamente metade dos recursos energéticos globais, em especial petróleo e gás natural, ampliando e muito a influência do agrupamento.
No mais, o BRICS é o principal líder por trás das iniciativas de desdolarização da economia mundial hoje em curso, baseadas na defesa do comércio internacional em moedas locais, o que diminuirá gradativamente o papel do dólar nas transações entre Estados. Esse processo promete ser um golpe duro para a hegemonia dos Estados Unidos no mundo e um divisor de águas para a economia política global. Diante de tudo isso, por que então os sauditas ainda hesitam em uma resposta a respeito de sua adesão definitiva ao BRICS? Uma das razões pode estar justamente na pressão exercida pelos Estados Unidos para que Riad não amplie tão rápido sua cooperação. Afinal, desde o período da Guerra Fria, a Arábia Saudita tem sido um dos principais parceiros estratégicos dos americanos no Oriente Médio, ao lado de Israel. Não obstante, os sauditas foram pioneiros na venda de seu petróleo em troca de dólares estadunidenses, gerando o que ficou conhecido posteriormente como petrodólares. Esse influxo gigantesco de dinheiro no país oriundo do comércio de commodities com o Ocidente foi primordial para o enriquecimento do governo saudita. Hoje, por sua vez, os Estados Unidos enxergam com bastante apreensão o fato de a Arábia Saudita ter acordado com a China a venda de seu petróleo em troca de yuans. Logo, a entrada de Riad no BRICS apenas acelerará esse processo, aprofundando o movimento de desdolarização da economia mundial promovido pelo grupo.
Afinal, fora a Arábia Saudita, os americanos não detêm um poder de barganha tão grande a ponto de dissuadir os demais membros do BRICS de utilizarem suas moedas locais no comércio com outros países. Isso porque Washington não possui um relacionamento de segurança e de defesa tão estreito com Estados como Índia, Brasil, África do Sul e Egito, como o possui com os sauditas, por exemplo. É por conta desse relacionamento, aliás, que empresas do complexo militar-industrial estadunidense obtêm vultosos lucros, a saber, por meio da venda de armas a governos amigáveis do Oriente Médio, como é o caso justamente da Arábia Saudita.
Seja como for, há outra razão que pode estar demovendo os sauditas de tomarem uma decisão rápida sobre sua adesão ao BRICS. O nome dessa razão é Irã. Ora, apesar das relações diplomáticas entre os dois países terem sido restabelecidas em 2023 por intermédio da China, o passado recente demonstra uma atmosfera de “quase guerra fria” no Oriente Médio envolvendo Riad e Teerã. No contexto da Primavera Árabe, por exemplo, a Arábia Saudita fora acusada de causar instabilidade no Iêmen e de lutar contra as forças houthis locais, que, por sua vez, recebem auxílio do Irã. Quanto à guerra civil síria, Irã e Arábia Saudita também se encontraram em lados opostos do conflito, com os sauditas apoiando forças salafitas e wahabistas (dois dos grupos mais conservadores dentro do Islã) de oposição, enquanto o Irã apoiou a permanência de Bashar al-Assad no poder. Logo, após anos de acirramento das tensões políticas na região, é natural esperar que nem tudo sejam flores nas relações entre iranianos e sauditas, mesmo após a reaproximação diplomática recente.
Para além disso, em se tratando novamente da pressão americana sobre a Arábia Saudita, há que se levar em conta também a grande presença militar estadunidense no país. São inúmeras bases estratégicas instaladas em território saudita, que servem para monitoramento dos processos na região, assim como para contenção do Irã e de países hostis a Israel. Afinal, a orientação estratégica dos Estados Unidos no Oriente Médio sempre foi cooperar com determinados governos locais, mesmo os mais autoritários, para a defesa de seus interesses econômicos e geopolíticos. Não obstante, antes da crise ensejada pelas operações de Israel em Gaza, os americanos vinham patrocinando por baixo dos panos uma aproximação diplomática entre sauditas e israelenses. Tal aproximação só foi comprometida pela negativa repercussão internacional em torno das ações de Israel em Gaza, que já causaram a morte de mais de 30 mil palestinos. O Irã, por outro lado, tem utilizado a situação para aumentar a sua já tradicional retórica anti-Israel, assim como sua influência através do apoio a grupos como o Hamas e o Hezbollah, no Líbano. Com o Irã (que hoje faz parte do BRICS), portanto, qualquer processo de aproximação com Israel não só é impraticável como também impossível.
Tendo em vista todos os fatores já mencionados, ainda que a Arábia Saudita decida em definitivo pela sua entrada no BRICS, o país continuará suscetível à pressão estadunidense (em particular) e do próprio Ocidente, em um plano mais geral. O dilema de Riad envolve, por fim, muito mais do que um simples cálculo sobre custos e benefícios típico de qualquer decisão política tomada pelos Estados. Trata-se de aderir ao mundo multipolar sob o risco de perder alguns dos importantes benefícios de sua relação com a decadente hegemonia americana.
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