A China está deixando claro que quer um lugar de destaque também no cenário nuclear global. Segundo dados recentes divulgados pelo Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI), o país asiático já possui ao menos 600 ogivas nucleares — e vem adicionando, em média, 100 novas ogivas por ano desde 2023. Mantido esse ritmo, a China poderá ultrapassar a marca de 1.000 ogivas até o final da década, rivalizando diretamente com os Estados Unidos e a Rússia em capacidade estratégica.
O movimento representa uma inflexão importante no cenário global. Desde o fim da Guerra Fria, o número total de armas nucleares vinha em queda. Mas a expansão acelerada do arsenal chinês reaquece o debate sobre a proliferação, o equilíbrio de forças e os riscos de uma nova corrida armamentista.
Modernização em ritmo acelerado
Além do aumento numérico, analistas apontam que a China também está investindo pesado em modernização tecnológica: novos mísseis balísticos intercontinentais móveis (ICBMs), submarinos com capacidade de lançamento de mísseis nucleares e possíveis instalações subterrâneas para armazenar e proteger ogivas.
Segundo o relatório do SIPRI, o objetivo não seria alcançar um estoque idêntico ao de Rússia ou EUA — que concentram juntos cerca de 88% do arsenal nuclear mundial —, mas sim assegurar um poder dissuasório realista e moderno, capaz de reagir em caso de conflito. A Rússia detém hoje 5.459 ogivas e os EUA, 5.177.
Postura oficial: dissuasão e autodefesa
Apesar do crescimento expressivo, o governo chinês mantém seu discurso baseado na autodefesa. Em coletiva recente, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Guo Jiakun, afirmou que “a China mantém sua força nuclear no nível mínimo necessário para garantir a segurança nacional”. Segundo ele, a estratégia é “puramente defensiva” e voltada à estabilidade.
Ainda assim, o avanço preocupa os Estados Unidos. O ex-presidente Donald Trump declarou, durante reunião recente, que deseja envolver China e Rússia em negociações multilaterais de controle de armas. “Dentro de cinco ou seis anos, eles estarão parelhos”, afirmou Trump.
Reflexos no Brasil e no cenário internacional
Para o Brasil, que adota há décadas uma política de não proliferação e defende o desarmamento nuclear, a ascensão da China como potência atômica reacende preocupações com o enfraquecimento dos tratados internacionais. Ao mesmo tempo, a mudança no equilíbrio global pode gerar novas tensões em organismos multilaterais e fóruns como o BRICS, onde Brasil e China compartilham espaço diplomático.
No contexto latino-americano, o Brasil é signatário do Tratado de Tlatelolco, que proíbe armas nucleares na região. Mas o país acompanha de perto os desdobramentos internacionais, especialmente pela crescente relevância da China em áreas sensíveis como tecnologia, defesa e cooperação estratégica.
O que está em jogo?
A expansão nuclear chinesa não ocorre em um vácuo. A tensão prolongada entre China e EUA, o enfraquecimento de tratados como o New START e o avanço de tecnologias de guerra cibernética e espacial tornam o cenário global mais complexo e instável.
Sem mecanismos multilaterais eficazes que incluam todas as potências nucleares — como China, Índia e Paquistão —, os riscos de escalada permanecem. O SIPRI alerta que a ausência de transparência e de diálogo estruturado pode comprometer décadas de avanços em controle de armas.
Enquanto isso, o mundo se vê diante de uma nova realidade: a era da bipolaridade nuclear está sendo substituída por um sistema multipolar mais imprevisível — com a China ocupando posição central.