Desigualdade deve ser ‘prioridade’ na discussão sobre mudanças climáticas, diz Lula em Paris

Presidente afirma que não adianta ter 'clima muito bom' enquanto pessoas morrem de fome

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso de improviso durante a Cúpula para um Novo Pacto Financeiro Global, nessa sexta-feira (23), em Paris. Além dos temas quentes do momento para a diplomacia brasileira, como desmatamento, aquecimento global e acordo entre União Europeia e Mercosul, ele defendeu a importância de se combater a desigualdade.

“Não é possível que num encontro com tantos presidentes de países importantes, a palavra desigualdade não apareça. Desigualdade salarial, de raça, de gênero, na educação, na saúde”, elencou o presidente, sentado à direita do presidente da França, Emmanuel Macron, anfitrião do evento.

“Estamos num mundo cada vez mais desigual. Precisamos tratar disso com tanta prioridade quanto a questão climática, porque senão a gente pode acabar tendo um planeta com um clima muito bom e o povo continuar morrendo de fome em vários países do mundo”, disse Lula. Segundo ele, o Brasil “andou para trás” no passado recente, “como muitos outros países”, e prova disso é o fato de muitos brasileiros passarem fome hoje em dia.

O presidente brasileiro se dirigiu bastante aos países africanos em seu discurso, e também cobrou com veemência as nações ricas. Um exemplo desse posicionamento foi o fato de ter mencionado o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), uma agência das Nações Unidas dedicada a erradicar a pobreza e a fome, que segundo ele previa fazer investimentos em infraestrutura em todo o continente africano.

“Se o mundo desenvolvido resolvesse financiar empresas para construir as necessidades daquele plano, a África já teria dado um salto de qualidade. Ontem, ouvimos o presidente do Congo falar do rio Congo. Pelo que sei, no rio Congo poderiam ser feitas três hidrelétricas de Itaipu. Mas não tem nenhuma”, comparou o presidente, que criticou a forma como recursos são investidos em alguns casos. “Precisamos parar, a nível internacional, de fazer proselitismo com recursos. Ah, vou ajudar essa coisinha aqui, essa coisinha ali, quando na verdade precisamos investir em coisas estruturantes que mudem a vida dos países”.

Lula dedicou boa parte de sua fala à forma como os recursos circulam mundialmente, o que, afinal, era o tema da cúpula. Disse que as “instituições de Bretton Woods não funcionam mais, não atendem mais às aspirações e interesses da sociedade”, em referência aos acordos feitos nos estertores da Segunda Guerra Mundial, que elaboraram regras para o sistema monetário internacional. Criticou também o Banco Mundial e o FMI, por deixarem “muito a desejar”.

Argentina

E voltou a mencionar o empréstimo do FMI à Argentina durante a gestão do presidente Mauricio Macri (2015-2019). “Muitas vezes bancos emprestam dinheiro e o dinheiro emprestado provoca a falência do Estado. É o que estamos vendo na Argentina hoje. Da forma mais irresponsável, o FMI emprestou US$ 44 bilhões para um senhor que era presidente. Não se sabe o que ele fez com o dinheiro e a Argentina passa por uma situação muito difícil porque não tem dólar para pagar o FMI”.

O presidente novamente cobrou uma reforma do Conselho de Segurança da ONU, para que a organização volta a ter representatividade e força política. E fez uma ligação entre governança global e mudança climática. “Se não mudarmos essas instituições, a questão climática vira uma brincadeira. E por quê? Quem é que vai cumprir as decisões emanadas dos fóruns que nós fazemos? É o Estado nacional? Vamos ser francos. Quem cumpriu o protocolo de Kyoto? Quem cumpriu as decisões de Copenhague, o acordo de Paris? Não se cumpre porque não tem uma governança mundial com força pra decidir as coisas e a gente cumprir”.

O presidente defende que as decisões tomadas durante as COPs (conferências internacionais sobre mudanças climáticas) nunca terão poder de lei em cada país se precisarem ser discutidas e ratificadas internamente, pelos respectivos parlamentos, porque sempre haverá resistências que tirarão a força do que foi decidido em âmbito internacional.

“Se não mudarmos as instituições, o mundo vai continuar como está. Quem é rico vai continuar rico e quem é pobre vai continuar pobre”, previu Lula.

Bons indícios

O presidente apontou o que considera boas iniciativas no sentido de renovar as instituições e a lógica financeira global: a criação do banco dos Brics, presidido pela ex-presidenta Dilma Rousseff, e as possibilidade de criar o Banco do Sul e também de se discutir novas possibilidades para moeda de comércio. “Não sei por que Brasil e Argentina tem que fazer comércio em dólar; por que Brasil e China tem que fazer comércio em dólar. Isso está na minha pauta e, se depender de mim, vamos falar disso na cúpula dos Brics. E também no G20. Precisamos colocar mais companheiros africanos para participar do G20, como vocês (dirigindo-se ao presidente Macron) estão fazendo no G7. Esses fóruns não podem ser grupos de luxo. Precisamos chamar os diferentes”.