Os projetos políticos do presidente Jair Bolsonaro sofreram um abalo com a iminente instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar a atuação do governo na pandemia da covid-19. A ordem do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), para o Senado instalar o colegiado rompeu a blindagem do mandatário, que tem aliados à frente das duas Casas do Congresso e conta com o apoio do Centrão, bloco partidário que detém postos importantes no Executivo.
Com a popularidade em queda e ante o risco de desgastes com as investigações da CPI, o presidente, talvez, precise pagar uma fatura ainda maior para manter essa sustentação, com mudanças em mais ministérios e a concessão de outras contrapartidas.
Bolsonaro tem colhido os frutos da opção que fez de politizar as discussões sobre a pandemia, confrontando governadores, prefeitos e a comunidade científica. O presidente vem colecionando uma série de derrotas políticas e judiciais, por tentar sobrepor suas posições pessoais ao dever de liderar um esforço nacional para o país vencer a crise.
Na sexta-feira, ao atacar e desafiar Barroso, o presidente deixou transparecer que sentiu o golpe da ordem judicial — e, de “bônus”, aumentou o fosso entre o Palácio do Planalto e o STF, além de conquistar a antipatia de vastos setores do Judiciário, como verbalizou a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) em nota.
A decisão do ministro foi tomada no momento em que o presidente esperava colher os frutos da recente reforma em seis ministérios. Entre outras mudanças, ela levou o Centrão a despachar nos gabinetes vizinhos ao seu, com a nomeação da deputada Flávia Arruda (PL-DF) como chefe da Secretaria de Governo.
Na última sexta-feira, um dia depois da ordem de Barroso para o Senado instalar a comissão de inquérito, o Centrão já deu demonstrações de que pode ajudar Bolsonaro em mais um momento difícil. O senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, passou a fazer pressões para que a investigação parlamentar não se atenha só à atuação federal na pandemia, mas também alcance governadores e prefeitos. É o mesmo discurso de Bolsonaro, que defende que a CPI investigue gestores locais suspeitos de desviar recursos da saúde.
Além da CPI, um outro componente que deve dar mais cacife político ao Centrão — um bloco formado por legendas como Progressistas, PL, PSD, PTB, PROS, PSC, Avante e Patriota — é o assédio de virtuais adversários de Bolsonaro na corrida presidencial do ano que vem. O PSD do ex-ministro Gilberto Kassab, por exemplo, é um dos alvos preferenciais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).