Quem decide sair do Brasil para fazer intercâmbio na China diz que a vida universitária por lá apresenta grandes barreiras culturais e difícil adaptação ao rigoroso ritmo de estudo. Mas, segundo relataram estudantes brasileiros ao G1, o choque entre ocidente e oriente fica para trás diante do diferencial que o conhecimento da língua chinesa lhes dará no currículo. O país, que já alcançou o posto de segunda maior economia mundial, continua influenciando o mercado global e hoje é responsável por pelo menos 60% da recuperação da economia mundial depois da crise do sistema financeiro em 2008.
O número de brasileiros que vão estudar na China, porém, ainda é pequeno. Segundo dados do Ministério da Educação da China, 797 brasileiros estudavam no país em 2009 – com bolsa de estudos ou por conta própria. A embaixada da China no Brasil informou ao G1 que, em 2011, apenas nove brasileiros receberam bolsa de estudos e 22 tiveram seus pedidos renovados. O consulado chinês em São Paulo informou que, dos 30 mil vistos emitidos pelo órgão no ano passado, “pouquíssimos eram de estudantes”.
Apesar disso, para Luis Antonio Paulíno, diretor brasileiro do Instituto Confúcio, ligado ao governo chinês, o interesse dos estudantes brasileiros tende a aumentar, não só pela força da economia chinesa, mas também pelas estreitas relações comerciais com o Brasil – atualmente, a China é o principal parceiro comercial do país e o maior comprador das commodities brasileiras. “O nosso maior parceiro comercial é a China. Hoje também existem muitas multinacionais chinesas se instalando aqui”, disse Paulíno. Só neste ano, segundo ele, cinco empresas chinesas procuraram o Instituto para contratar estudantes com domínio de mandarim.
Para realmente dominar a língua, é preciso passar por oito testes de proficiência com o mesmo nível de dificuldade de exames da língua inglesa como Toefl e Ielts. Tatiana Kori Tamagawa, de 21 anos, estudante de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), passou pelos dois primeiros exames para ter um mandarim básico e poder se candidatar a uma bolsa de estudos do Instituto Confúcio, parceiro da Unesp no Brasil.
Como se candidatar a um intercâmbio
Seja para estudar mandarim ou em algum curso do ensino superior chinês, existem três caminhos básicos: o interessado manda seu pedido de candidatura diretamente à universidade chinesa, increve-se no programa de mobilidade de sua universidade no Brasil ou entra em contato com uma agência de turismo credenciada pelo Ministério do Turismo brasileiro (ver tabela abaixo). Para estrangeiros que desejam se inscrever diretamente nas universidade de lá, é preciso se candidatar às vagas limitadas a cada curso e providenciar alguns documentos exigidos, como obter a nota mínima nos exames de proficiência em inglês, para cursos ministrados nesse idioma, ou no HSK, teste que mede a proficência do estudante em mandarim.
Para os estudantes de universidades brasileiras, existem os programas de mobilidade. Cada instituição possui seus próprios convênios com as universidades chinesas. Estes também exigem conhecimento avançado de inglês e, para quem vai estudar o idioma local, o nível básico de mandarim. Existem universidades na China que oferecem cursos somente em inglês, como é o caso da Faculdade de Negócios Administrativos da Universidade de Macau.
Se o intercâmbio for por meio de uma agência, existem três tipos de pacotes, dois para o estudo de mandarim (curso de férias, ou cursos com duração de seis meses ou um ano) e o de graduação (no mínimo um ano), oferecido apenas por algumas agências.
Para as três situações – candidatura direta, convênios entre universidades ou agência de intercâmbio -, é preciso tirar o visto de estudante antes da viagem. Segundo orientações do consulado chinês em São Paulo, os documentos necessários para o visto de estudante são uma foto recente 3×4, reserva da passagem aérea, comprovante de residência na China, roteiro da viagem, comprovante de matrícula do ano letivo, formulário de aplicação, carta de admissão da universidade chinesa e atestado de saúde.
Caso o estudante queira uma bolsa de estudos durante sua estadia, ele deve entrar com pedido no Itamaraty, como explicou ao G1 o departamento de Intercâmbio Cultural da embaixada chinesa. Após análise, o órgão encaminhará o pedido à embaixada.
Impressões dos brasileiros
Com subsídio de 1,4 mil yuans mensais, pouco mais de R$ 466, Tatiana Kori Tamagawa estuda na Universidade de Hubei, localizada na cidade de Wuhan, a mais de 1,1 mil quilômetros da capital, Pequim. Segundo ela, o choque cultural de morar na China é muito grande. “Não é como ir aos Estados Unidos ou à Europa, o estilo de vida, os hábitos, valores, tudo é muito distante da vida no Brasil. Wuhan é uma cidade que nos últimos anos tem se desenvolvido de forma muito acelerada”, afirmou. A estudante disse que o governo chinês quer que Wuhan se torne a segunda Xangai, atualmente a maior cidade da China, com 15 milhões de habitantes. “Mas o número de estrangeiros aqui ainda é pequeno se comparado a grandes metrópoles como Pequim ou Xangai e, por isso, as pessoas daqui ainda estranham muito a presença dos estrangeiros, estão sempre apontando para nós, querem saber em que língua estamos falando, tiram fotos, fazem perguntas.”
A cultura milenar chinesa é muito forte em Wuhan. Todos os dias pela manhã, contou Tatiana, muitos idosos e jovens vão para as principais praças e ao campus para praticar tai chi chuan ou kung fu.
Somos estimulados a falar em mandarim a todo o tempo. Temos que escrever textos e treinar os ideogramas por diversas vezes, algumas vezes temos provas fora de época”
Ian Nicholas Mello, estudante
O ritmo ameno do começo do dia muda de tom quando as aulas começam, por volta das 8h da manhã. Audição, escrita e leitura do mandarim ocupam quase 80% do tempo de Tatiana Kori e de mais onze brasileiros matriculados no curso. Ian Nicholas Mello, de 20 anos, veio também da Unesp, do curso de letras no campus da cidade de Assis, e estuda na mesma turma de Tatiana na Universidade de Hubei. Ian contou que o que se aprende de mandarim na China em alguns meses só conseguiria ser ensinado no Brasil em cinco anos.
“As aulas são bem puxadas. A princípio quase todas as aulas eram dadas em inglês, mas depois de três meses tudo é em mandarim. Somos testados a toda hora, preparando diálogos e respondendo às perguntas das professoras”, afirmou Ian. “Somos estimulados a falar em mandarim a todo o tempo. Temos que escrever textos e treinar os ideogramas por diversas vezes, algumas vezes temos provas fora de época.”
Segundo os estudantes brasileiros, o ritmo e a disciplina dos chineses são elevadíssimos. Sortudo é aquele que conseguir achar um lugar para sentar em qualquer um dos dez andares da biblioteca central da universidade. “Os estudantes chineses têm grande disciplina, o ritmo de estudos comparado ao dos estrangeiros é bem maior, na biblioteca, por exemplo, dificilmente encontra-se um lugar para sentar”, contou Tatiana. Festas e casas de show não fazem parte da rotina dos estudantes chineses, que anseiam por “excelência e boa imagem”. Pelo menos, é o que disse um estudante chinês a Ian.
A 1.157 quilômetros de Wuhan, na cidade de Pequim, a dedicação dos chineses não é diferente. “Um dia passei em um McDonalds às 4h da manhã. Estava lotado de gente estudando”, contou Rodrigo Murayama, 22 anos, estudante de economia do Insper. De dezembro de 2011 a janeiro deste ano, Rodrigo estudou mandarim em um dos mais tradicionais institutos de línguas para estrangeiros da China, o Beijing Language and Culture University (BLCU) , por meio da 6ª edição do curso extensivo de férias da Câmara de Comércio Brasil-China.
“Cada estudante quer ser o melhor de sua área. A excelência é regra, não exceção. Quando você é intercambista você sente isso, até porque te cobram da mesma forma. Se o desempenho da sala cair, o professor se sentirá culpado”, disse Rodrigo. Faltas são raras. Entre os professores, quase inexistentes. E os atrasos não são tolerados. “Quando você vê que está atrasado, você nem entra, porque o professor ficará profundamente ofendido.”
Choque cultural
Para Ian, os dois primeiros choques com a cultura chinesa foram o trânsito e a pimenta na comida. “Na China o trânsito é um caos. As motos andam nas calçadas junto dos pedestres, as pessoas atravessam avenidas fora da faixa, os carros andam na contramão, passam no farol vermelho, e buzina é o que não falta”, afirmou o brasileiro.
Ele disse que, quando chegou à China, não tinha um nível de mandarim para conversar com os chineses. “O táxi aqui é muito barato em relação ao Brasil, do aeroporto à Universidade de Hubei leva aproximadamente uma hora de carro e quase 80 yuans (R$ 26). Muitos taxistas, quando recebem um estrangeiro que não sabe muito de mandarim, tentam dar um pequeno golpe, eles ficam dando voltas para o taxímetro avançar bastante, e o que era para ser uma viagem de 80 yuans saiu por quase 130 (R$ 43,33), o que é muito aqui.”
Sobre a comida, tanto Ian quanto Tatiana e Rodrigo foram categóricos: é muito apimentada, além de ser feita sem muita higiene pelos funcionários. “Os refeitórios da universidade não são muito limpos, e as refeições são típicas da China, ou seja, tudo com muita pimenta. Como eu passo mal com pimenta, demorei um pouco até eu aprender a me acostumar”, contou Ian.
Aos que quiserem fugir das comidas chinesas, existem muitas redes de fast-food em grandes cidades como Pequim e Xangai. Em cidades um pouco mais interioranas, como a de Wuhan, onde estão Tatiana e Ian, esses restaurantes são menos frequentes. Um lanche do Big Mac do McDonalds sai por 25 yuans (pouco mais de R$ 8,33).
Custo de vida
Com a desvalorização artifical da moeda chinesa, feita pelo governo para manter em alta as exportações, o custo de vida não é muito alto. Atualmente, sete yuans correspondem a um dólar. Para a moeda brasileira, a relação é de um real para pouco mais de três yuans.
Segundo os brasileiros, na maioria das universidades, durante o curso os alunos são obrigados a morar no alojamento estudantil dentro do campus. Um quarto com quatro beliches para oito estudantes custa em média 650 yuans anuais por pessoa, aproximadamente R$ 170. Uma passagem de ônibus ou trem varia de 1 a 2 yuans (de R$ 0,33 a R$ 0,66). Para viajar dentro da China, a opção mais barata é o trem. Uma viagem de quase 13 horas de Wuhan até Pequim sai em torno de 120 yuans, o equivalente a R$ 40. Nos refeitórios das instituições, o preço de uma refeição é de 3 a 10 yuans (de R$ 1 a R$ 3,30).