Esse tipo de veto à empresa da China é conhecido em Brasília. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, já disse mais de uma vez que as regras de governança corporativas da Huawei a excluem do processo. Mas agora agora apareceu o documento em que isso fica explícito, mas num contexto misturado ao processo de licitação do 5G.
Ao explicar os eventos do que está sendo chamado de Digital Day, uma série de apresentações de 4ª a 6ª feira desta semana (5-7.mai.2021), o arquivo em formato powerpoint (eis a íntegra – 1,8 Mb) diz o seguinte:
“NO PALÁCIO DO PLANALTO: Lançamento do 1º Piloto 5G Stand Alone do Brasil: ERICSSON (infraestrutura de rede) + TIM (sinal)”.
“Embrião da rede privada segura de governo (sem Huawei)”
Como se observa, o documento do governo fala no lançamento de um projeto experimental e piloto de 5G (no jargão do mercado, é uma operação “stand alone”, pois é única) que será operado em parceria pela Ericsson e TIM. Ocorre que em seguida, de maneira misturada, fala-se da rede privada de comunicações do governo (algo totalmente distinto do 5G usado por todos) e a Huawei é excluída.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, disse desconhecer o documento. Em seguida, a pasta soltou uma nota oficial, inclusive para dizer que os estandes das empresas no evento desta semana não terão logotipos expostos:
“O Ministério das Comunicações informa que, desde a primeira proposta, ficou definido que as empresas expositoras não teriam suas logomarcas expostas, já que se trata de um evento institucional, sem intuitos comerciais. Este documento não é oficial e deve ter sido feito por alguém de maneira inadvertida. A orientação sempre foi de que o evento focasse apenas em demonstrar as potencialidades do 5G — cujo leilão, aliás, sequer tem a participação das empresas que fabricam equipamentos. Apenas o piloto do 5G Standalone será em parceria com a Tim e a Ericsson, portanto, nenhuma outra empresa participará deste primeiro momento”.
No início do governo do presidente Jair Bolsonaro, havia uma atitude mais belicosa contra a China e suas empresas. Com o passar do tempo, definiu-se que a chegada do 5G também tornaria necessária, por razões de segurança de Estado, a construção de uma rede privada de comunicações, exclusiva da administração federal. Para esse sistema, seria escolhida uma tecnologia considerada mais neutra, sem a presença da Huawei. Isso era sempre vocalizado com a justificativa de que a governança corporativa da chinesa não atendia aos padrões exigidos. No documento agora divulgado (e negado pelo Ministério das Comunicações), a exclusão é mais direta, sem muitas explicações.
Na manhã desta 2ª feira (3.mai.2021) também já havia ficado conhecida em Brasília a decisão do governo Bolsonaro de fatiar o evento Digital Day. A exposição de tecnologia 5G seria realizada no Palácio do Planalto, conforme estava escrito em convites prévios. Agora, haverá um evento na sede do governo e outro no Congresso Nacional –ao longo de 5 a 7 de maio.
O evento montado no Congresso terá estandes das grandes empresas que vendem tecnologia 5G, como Huawei, Nokia e Qualcomm.
O Planalto preferiu fazer tudo de maneira genérica, fora do Palácio e sem os logotipos das empresas. O desejo é que apenas as tecnologias sejam apresentadas, como velocidade alta de transmissão de dados, realidade virtual etc.
A atitude é vista por players do setor como um sinal de desconforto com a presença da empresa chinesa Huawei. De modo mais amplo, na relação com o governo da China, que se confunde com suas empresas.
Em nota emitida mais cedo nesta 2ª feira (3.mai.2021), o Ministério das Comunicações afirmou que a transferência do evento foi motivada por questões logísticas:
“O evento Digital Day, no dia 5 de maio, será realizado no Salão Negro do Congresso Nacional por questões logísticas. O espaço é mais adequado para a exposição, além de facilitar o acesso de parlamentares. Todas as medidas de prevenção da Covid-19 serão obrigatoriamente seguidas, conforme determinado pela administração da Câmara dos Deputados e do Senado”.
Houve uma reunião na manhã desta 2ª feira no Congresso para organizar o evento, a 2 dias de seu início. Ainda há detalhes indefinidos. Esse tipo de improvisação é incomum.
O card do evento foi alterado depois da mudança de planos. O 1º dizia que o evento seria no Palácio do Planalto. O 2º, divulgado pelo Ministério das Comunicações, diz que será no Congresso. O convite atualizado parte do ministro Fábio Faria. No encarte, há o logo do governo federal. O Poder Legislativo apenas cede o espaço. O presidente Jair Bolsonaro deverá participar da inauguração.
No início da concepção do evento, um integrante do governo levantou o constrangimento que seria ter um estande da empresa chinesa Huawei no Palácio do Planalto. Parte da ala ideológica do governo abraça o discurso contrário à participação da Huawei no processo de implantação do 5G no Brasil.
Agora, só haverá uma cerimônia na sede da Presidência. A exposição de tecnologias ficou para o Salão Negro do Congresso, de 5 a 7 de maio. As empresas já estão montando os locais de exposição na Casa Legislativa.
A empresa chinesa já tem larga atuação no país. É a fabricante da maior parte dos equipamentos usados pelas empresas que operam telefonia no Brasil.
A guerra de versões a respeito da participação chinesa no leilão levou um dos filhos do presidente da República, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), a causar um incidente diplomático com o país asiático ao escrever o seguinte no Twitter, em novembro:
“O governo Jair Bolsonaro declarou apoio à aliança Clean Network, lançada pelo governo Donald Trump, criando uma aliança global para um 5G seguro, sem espionagem da China”.
A embaixada chinesa classificou o ataque como “inaceitável“ e afirmou que esse tipo de fala poderá ter “consequências negativas” para a relação dos 2 países.