Os comentários agressivos contra os chineses também estão atrapalhando a entrada de investimentos novos para setores como os de energia, transportes e tecnologia, dizem executivos que fazem intermediação dessas transações.
A China é atualmente o maior parceiro comercial do Brasil, o país que mais compra produtos brasileiros. Os chineses são também um dos principais investidores estrangeiros nos setores de infraestrutura e tecnologia, áreas em que a economia brasileira precisa de capital para se desenvolver, destacam economistas.
Nas câmaras de comércio, que são muitas vezes a porta de entrada no Brasil de empresários chineses interessados em negócios no mercado brasileiro, há relatos de reuniões canceladas ou adiadas depois que Bolsonaro acusou os chineses de terem aproveitado a pandemia para superar outras economias.
Agenda de negócios suspensa
Segundo o presidente da CCIBC (Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China), Charles Tang, que lidera uma das principais organizações chinesas desse perfil aqui no país, muitas transações dependem de fatores como financiamento ou aprovações de órgãos reguladores.
E por isso, a cada comentário contra a China, aponta ele, surge o temor de que a burocracia seja usada para travar um projeto, por exemplo. Daí, as negociações emperram.
Sem acusações, haveria mais negócios fechados
Segundo a especialista em desenvolvimento de negócios Brasil-China, Isabelle Carvalho Costa Pinto, há empresas chinesas prontas para fazer investimentos no setor de tecnologia, uma área que está ganhando espaço na agenda de negócios dos chineses no Brasil.
Receio de que retórica vire ação
Segundo a professora brasileira que atua na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim (China), Tatiana Prazeres, os chineses são pragmáticos e analisam oportunidades de investimento no Brasil de maneira prática e objetiva, sempre com foco no longo prazo. O problema, pondera Tatiana, que já foi assessora sênior do diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, em Genebra, e secretária de Comércio Exterior do Brasil, é que cada declaração negativa de membros do governo brasileiro alimenta entre investidores chineses o receio de que alguma ação concreta seja tomada contra o país.
Dinheiro demora mais para chegar
Segundo executivos de três bancos que financiam ou intermedeiam projetos de infraestrutura no Brasil para grupos chineses, as negociações com a China demoram. Podem ser meses ou às vezes anos antes de um negócio. É o padrão de negociação com os chineses, dizem. Mas esse ritual se tornou ainda mais forte nos últimos dois anos, apontam os executivos dos bancos, que pediram para não serem identificados. Segundo eles, o recado que interlocutores chineses passam é: “se valer a pena, a gente vai investir, mas o dinheiro vai demorar mais para chegar”.
Impacto nos leilões de privatização
Esse atraso pode ser um problema para investimentos que têm momento definido para acontecer. Caso dos leilões de privatização ou de concessão de empresas e serviços públicos
Neste ano, por exemplo, já tivemos as concessões de aeroportos, portos, de ferrovia e da empresa de saneamento do Rio. Nenhum grupo chinês apresentou uma proposta vencedora.
Segundo Corrêa de Lacerda, também diretor da Faculdade de Economia, Administração, Contábeis e Atuariais da PUC-SP, o governo brasileiro deveria se esforçar para focar as relações com a China nas oportunidades e nas condições efetivas de parcerias, em vez de perder tempo com desaforos.