Em visita à China, Fábio Faria quebra gelo com a Huawei, é recebido sem quarentena e pede ajuda com a vacina

Marcelo Ninio / O Globo

Após partida da comitiva do ministro, por precaução, 40 pessoas, incluindo executivos da companhia e diplomatas brasileiros, precisarão fazer isolamento.

PEQUIM – Pouco mais de dois anos após a posse do presidente Jair Bolsonaro, período em que a ameaça de vetar a Huawei no leilão das redes 5G esteve quase sempre no ar, o governo brasileiro quebrou o gelo com a gigante chinesa de tecnologia com uma visita do ministro das Comunicações, Fábio Faria, à sede da empresa.

Foi a última escala de um tour que originalmente deveria ter incluído cinco países, mas que devido a um caso de Covid-19 na equipe brasileira acabou sendo reduzido a quatro: Suécia, Finlândia, Japão e China.

A visita foi vista pela Huawei como uma operação de “comunicação”, destinada a mostrar a eficiência e competitividade de seus produtos e, acima de tudo, garantir que a empresa tem meios para garantir a segurança cibernética de seus equipamentos nas redes de telefonia 5G, a grande preocupação do governo brasileiro.

Para a comitiva liderada por Faria, foi a chance de ver de perto as instalações de uma das líderes mundiais em telecomunicação, duas semanas após a divulgação das regras do leilão de 5G que liberou a participação da Huawei. Durante a visita, a comitiva estimou que o leilão pode ocorrer até o fim do semestre.

A viagem do ministro à China em meio às rígidas medidas de contenção da pandemia em vigor no país asiático demonstra a importância do tema para o governo chinês e o poder da Huawei. Desde o início da pandemia, só três autoridades estrangeiras haviam visitado a China.

Faria e sua comitiva ficaram menos de 24 horas em solo chinês e foram liberados da quarentena exigida de todos os que chegam ao país do exterior. Mas após a visita, encerrada na noite de quarta-feira (no horário chinês) cerca de 40 chineses que tiveram contato com a comitiva precisaram iniciar uma quarentena de sete dias, de garçons a diretores da Huawei.

Isso na véspera do Ano Novo Chinês, principal festa do calendário nacional, que elevou o alerta contra o vírus em todo o país. Além dos chineses, também entraram em isolamento de uma semana num hotel em Shenzhen o embaixador do Brasil na China, Paulo Estivallet, e o cônsul-geral do Brasil em Cantão, Frederico Meyer, que acompanharam a comitiva.

Nas ruas, comitiva usou 5G no lugar de batedores

Outro sinal do peso atribuído pela China à visita foi o fato de o programa ter sido mantido mesmo depois que o teste de Covid-19 de um dos pilotos do avião da comitiva ter dado positivo em uma das escalas. Foi o que levou o tour a ser reduzido de cinco para quatro países: diante de exigências sanitárias adicionais feitas pelas autoridades sul-coreanas, foi cancelada a viagem a Seul, onde o ministro visitaria a Samsung.

Composta de dez pessoas, a comitiva brasileira teve cerca de onze horas para conhecer a Huawei, numa visita que incluiu a sede da empresa em Shenzhen, cidade no sul do país conhecida como o vale do silício da China, e seu centro de segurança cibernética em Dongguan (a cerca de 70 km da sede).

Após percorrerem diversos showrooms e receberem explicações sobre segurança cibernética e equipamentos de última geração, os membros da comitiva embarcaram de volta ao Brasil bastante impressionados com a capacidade tecnológica da empresa, segundo fontes com conhecimento da visita.

Em particular, chamaram a atenção dos brasileiros as várias utilidades possíveis para a internet de quinta geração, que por sua velocidade 20 vezes superior ao 4G é capaz de ser aplicada por exemplo em cirurgias remotas, algo que teria valor num país de grandes dimensões e que não conta com unidades hospitalares em todas as cidades.

Outra demonstração foi oferecida nas ruas de Shenzhen, a cidade com a maior cobertura de 5G do mundo: a comitiva do ministro não precisou ser acompanhada de batedores, já que a tecnologia permitiu uma comunicação entre os veículos e os sinais de trânsito, que abriam caminho e fechavam os cruzamentos à medida em que eles se aproximavam.

A visita foi aberta com uma conversa por vídeoconferência entre Faria e Ren Zhengfei, fundador e CEO da Huawei. O ministro explicou a Ren que entre as regras do leilão está a exigência de que as vencedoras estabeleçam uma rede privada de alta segurança para o Governo federal e as Forças Armadas, conforme consta na portaria publicada no último dia 29 pelo Ministério das Comunicações.

Faria também conversou por vídeoconferência com o brasileiro Marcelo Motta, diretor de cibersegurança da empresa para a América Latina.

“Segurança está no DNA da Huawei e os requisitos de segurança são integrados no modo com que nós projetamos e entregamos nossos produtos. Desde que foi fundada, em 1987, a Huawei jamais teve um único incidente grave de segurança cibernética”, afirmou a empresa em comunicado enviado ao GLOBO.

E acrescentou: “Todo ano nós investimos 5% do nosso orçamento de pesquisa em segurança cibernética. Nos próximos cinco anos, investiremos US$2 bilhões para aumentar a segurança de nossos produtos e serviços globalmente”.

Ajuda em insumos para vacinas

Faria transmitiu ao CEO da Huawei um pedido para que ele ajude na exportação de mais insumos chineses para a produção das vacinas contra a Covid-19 no Brasil. Ren prometeu apoiar o Brasil nesse sentido.

Durante sua passagem pela Suécia, o ministro brasileiro enviou uma carta ao sócio majoritário do laboratório AstraZeneca, Marcus Wallenberg, “pedindo que priorize e acelere o envio de insumos e vacinas” para o Brasil.

Faria encontrou-se com o empresário na sede da Ericsson, da qual Wallenberg também é sócio. Juntas, Ericsson e Huawei dominam quase todo o fornecimento de equipamentos de telecomunicações no Brasil.

Segundo fontes do setor, a Huawei já conta com mais de 50% desse mercado no Brasil, e essa é uma das razões do otimismo da empresa de que será capaz de consolidar ainda mais sua presença no país, agora que já não há mais o risco de haver um veto do governo a sua participação no leilão do 5G.

A empresa não chega a considerar o sucesso no leilão um fato consumado, mas quase isso, com chances de 90% de sucesso no leilão, de acordo com as fontes, por contar com uma experiência de 23 anos em operação no Brasil e com a confiança das operadoras de telefonia.

Para a empresa chinesa, a maior parte da resistência do governo Bolsonaro se deve a questões geopolíticas, e não técnicas. Por isso, o fim do governo Donald Trump, que exercia forte pressão internacional para barrar a Huawei das redes de 5G, foi visto como um facilitador para a decisão do Brasil de liberar a participação da empresa no leilão.

Além dos EUA, vários países anunciaram que restringirão a participação de equipamentos chineses nos seus mercados de 5G, entre eles Japão, Canadá, Austrália, Reino Unido, Suécia e França.

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