O sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, o Pix, que já virou parte do dia a dia de milhões de brasileiros, acaba de entrar no centro de uma disputa internacional. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, intensificou nos últimos dias seus ataques ao Pix, num movimento que, segundo analistas, tem menos a ver com segurança ou política e mais com dinheiro – muito dinheiro.
De acordo com um documento do Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR), os americanos monitoram o crescimento do Pix desde 2022 e têm expressado “preocupações” sobre o impacto do sistema nos negócios globais de empresas como Visa, Mastercard e Meta (WhatsApp Pay). A justificativa de Trump para um possível “tarifaço” sobre exportações brasileiras – de até 50% – estaria oficialmente relacionada a “práticas comerciais desleais”. Mas, nos bastidores, o real incômodo parece estar no fato de que o Pix derrubou receitas bilionárias dessas companhias no Brasil.
E os números ajudam a entender o motivo. O Pix já conta com quase 160 milhões de usuários e movimentou mais de R$ 26 trilhões só em 2024. Para se ter ideia, esse valor é mais de seis vezes maior que o total de todas as transações com cartões no mesmo período. Em pouco tempo, o Pix superou o uso de dinheiro, cartões de débito e crédito – e se tornou o meio de pagamento favorito no Brasil.
A economista Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências, explica que o avanço do Pix gerou perdas diretas às operadoras de cartão. Em 2020, os cartões de crédito respondiam por 22% das transações no país; agora, esse número caiu para 14%. No caso dos cartões de débito, a queda foi ainda maior: de 25% para 11%. Enquanto isso, o Pix cresce em todos os segmentos, inclusive no e-commerce, onde já representa 41% das compras online, à frente dos cartões.
A partir de setembro deste ano, o sistema vai incorporar uma funcionalidade que promete mexer ainda mais com o mercado: o parcelamento via Pix. Sem limite de crédito e com juros menores que os praticados pelas operadoras de cartão, a novidade pode beneficiar cerca de 60 milhões de brasileiros que hoje não têm acesso ao crédito tradicional. E o melhor: o lojista recebe o valor cheio na hora.
A reação dos EUA, nesse contexto, parece um reflexo direto da perda de influência econômica. Para muitos especialistas, as críticas de Trump ao Pix são uma tentativa de frear um modelo que está sendo visto com interesse por outros países emergentes. É o caso da China, por exemplo, que acompanha de perto o avanço do Pix e tem interesse em sistemas parecidos de pagamentos digitais que priorizem inclusão, soberania e baixo custo.
Em tempos de disputa por influência global, a tecnologia se tornou um campo de batalha. O Pix, desenvolvido por servidores públicos brasileiros, com código nacional e controle do Banco Central, representa mais do que um aplicativo no celular: ele é um símbolo de independência digital. “É natural que isso incomode grandes corporações e governos que lucravam com taxas e intermediações caras”, resume Ribeiro.
O episódio também coloca luz sobre um dilema que vai além do Pix. Em um mundo cada vez mais conectado, quem controla os meios de pagamento, controla parte da economia. O Brasil, ao criar uma solução própria, acessível e inovadora, mostra que é possível quebrar monopólios e colocar as pessoas no centro da política financeira.
Para o consumidor comum, pode parecer apenas uma escolha entre usar cartão ou QR code. Mas, nos bastidores, essa disputa está redefinindo o futuro do dinheiro — e, como mostra o caso do Pix, o Brasil está na vanguarda dessa mudança.