Soluções eleitoreiras de Bolsonaro para preços da gasolina criam impasse para Lula

Ex-presidente cortou impostos em busca de reeleição, deixando estados e governo federal sem recursos para investimentos

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou com um impasse para resolver um problema herdado do governo de Jair Bolsonaro (PL): o preço dos combustíveis.

Em busca da reeleição que não aconteceu, Bolsonaro agiu para cortar impostos estaduais e federais cobrados sobre gasolina, diesel e gás de cozinha. As desonerações, agora, fazem falta ao caixa do poder público para realização de investimentos. Governadores estaduais e o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negociam uma solução.

Rever o corte de impostos é uma opção. Acontece que isso elevaria o preço dos combustíveis quase que automaticamente, causando inflação.

Inflação relacionada aos combustíveis, aliás, já foi registrada no Brasil no final de 2021 e na primeira metade de 2022 –ano da eleição. Economistas e petroleiros cobraram de Bolsonaro uma ação na Petrobras para que a empresa revisasse sua política de preços em prol dos consumidores.

Meses antes da eleição, até Bolsonaro –responsável por escolher toda a direção da Petrobras– chegou a reclamar dos preços da estatal. Sua gestão, entretanto, não atuou para alteração dos valores praticados pela empresa, fornecedora de quase 80% dos combustíveis consumidos no país.

“Bolsonaro tinha compromisso com quem se beneficiava da política de preços da Petrobras”, disse o economista Eric Gil Dantas, do Observatório Social do Petróleo (OSP).

Essa política gerou lucros recordes para a estatal, os quais foram distribuídos a acionistas –a maior parte deles estrangeiros.

Desoneração eleitoreira

Sem mexer na política de preços, Bolsonaro focou em cortes de impostos para tentar conter a alta dos combustíveis. Parte dessas desonerações tem efeitos que perduram até hoje e voltaram a discussão.

Durante o ano eleitoral, Bolsonaro zerou impostos federais sobre gasolina, diesel e gás de cozinha. As medidas, porém, tinham validade até 31 de dezembro do ano passado, último dia do seu governo. Assim que tomou posse, Lula renovou as desonerações sabendo que o fim delas significaria combustíveis mais caros. No caso do diesel e do gás, elas foram mantidas até o final de 2023. Já no caso da gasolina, até o final de fevereiro.

O ministro Haddad reclamou desses cortes de impostos porque, segundo ele, foram feitos de forma irresponsável e comprometeram a capacidade do governo federal de pagar, entre outras coisas, o Bolsa Família de R$ 600 aos mais pobres.

Haddad já afirmou que R$ 25 bilhões seriam arrecadados pela União até o final deste ano se a desoneração da gasolina acabar mesmo em fevereiro. Ele, porém, sabe que esse debate é sensível, principalmente porque a alta do produto tem impacto generalizados nos preços. Por isso, nem ele nem ninguém do governo confirmou se a desoneração será mesmo extinta.

Se a desoneração federal da gasolina acabar, o litro do combustível deve subir R$ 0,69. Isso corresponderia a um aumento de cerca de 13% no preço.
 
Ninguém do governo anunciou também uma posição oficial sobre a redução do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrados por estados sobre os combustíveis. O governo Bolsonaro trabalhou para aprovação de uma lei para limitar o tributo. Sancionada por Bolsonaro em junho, essa lei baixou gasolina e diesel. Em compensação, reduziu as arrecadações estaduais.

Governadores recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a medida. Uma conciliação foi aberta, mas não concluída.

Na sexta-feira (27), em reunião em Brasília, os governadores manifestaram sua insatisfação ao presidente Lula, que afirmou que a questão tende a ser rediscutida. “A questão do ICMS é uma coisa que está na cabeça de vocês desde que foi aprovada pelo Congresso Nacional. E é uma coisa que nós vamos ter que discutir”, disse o presidente.

No caso do ICMS, a reversão do corte do tributo causaria um aumento de até 10% no preço da gasolina, dependendo do estado.

“Lula ficou espremido politicamente por essas políticas que Bolsonaro criou com o objetivo eleitoral”, afirmou Mahatma dos Santos, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep). “Bolsonaro criou todas essas desonerações para não encarar o real problema dos preços dos combustíveis no país, que é a política de preços da Petrobras.”

PPI na mira

A atual política de preços da Petrobras foi estabelecida em 2016, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), logo após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT). Ela se baseia no chamado Preço de Paridade de Importação (PPI).

De acordo com ela, a Petrobras vende o combustível que produz no Brasil a preços parecidos com os do mercado internacional. Quando a gasolina sobe pelo mundo, a estatal também reajusta seus preços.

O presidente Lula também prometeu mudar isso em sua campanha. Ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele declarou que “é preciso abrasileirar o preço dos combustíveis”.

De acordo com Dantas, do OSP, essa é uma das tarefas mais urgentes do novo presidente da Petrobras, o ex-senador Jean Paul Prates.

Prates tomou posse na quinta-feira (26). Ainda não pôde nomear diretores nem contar com o apoio de novos conselheiros da Petrobras que serão indicados pelo governo. Para dos Santos, do Ineep, essas mudanças são essenciais para que o PPI seja revisto.

Enquanto isso não acontece, a diretoria bolsonarista da Petrobras segue pressionando o governo Lula com sua gestão. Na quarta-feira (25), um dia antes da posse de Prates, a atual gestão da estatal aumentou em 7,5% o preço da gasolina vendida pela empresa a distribuidoras de combustível.

A Federação Única dos Petroleiros (FUP) protestou: “assim como a gestão bolsonarista da empresa continua com as negociações para privatização de mais ativos da companhia, também continua definindo os preços dos combustíveis no Brasil”, declarou a entidade, em nota.