Por que o Conselho Federal de Medicina avalizou uso de cloroquina e se alinhou a Bolsonaro

Em abril do ano passado, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) se reuniu para votar o parecer que autorizou médicos a prescreverem a cloroquina e a hidroxicloroquina para pacientes com sintomas leves e moderados da Covid-19, além do uso em quadros críticos, que já vinha sendo adotado. A plenária, realizada com três conselheiros presentes e outros 24 por videoconferência, transcorreu dentro dos protocolos de urbanidade esperados, mas não sem dilemas importantes.

O conselheiro Jeancarlo Fernandes Cavalcante sugeriu incluir informação para afastar o artigo do Código de Ética Médica que veda uso de medicamentos cujo valor não esteja reconhecido cientificamente por órgão competente. A ideia foi acatada, apesar de o conselheiro Anastácio Kotzias ter expressado preocupação com a inserção do trecho. Para ele, seria melhor que a informação estivesse em um parecer jurídico à parte para, caso necessário, “embasar julgamentos” no futuro, segundo registros da ata da reunião.

A conselheira Maria Teresa Renó sugeriu, entre outras questões, citar o estudo de Didier Raoult, mas foi advertida pelo colega Carlos Magno Dalapicola, também conselheiro, que apontou que a pesquisa do médico francês não apresenta evidências científicas. Defensor da hidroxicloroquina para tratar Covid-19, Raoult chegou a se retratar publicamente por erros em seus estudos. No ano passado, ele foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF), que o acusa de uma promoção indevida do medicamento.

Em outro momento, o conselheiro José Albertino Souza sugeriu trocar o termo “recomenda” na parte principal do parecer, que dá a permissão para a prescrição das duas drogas. O presidente do CFM, Mauro Ribeiro, que foi o relator do documento, assentiu, alterando a redação para “considerar o uso”. Nada foi dito, segundo os registros em ata, sobre a posição contrária das três entidades de especialistas previamente consultadas: a Sociedade Brasileira de Infectologia, a de Terapia Intensiva e a de Pneumologia.

O parecer foi aprovado no mesmo dia em que o então ministro Luiz Henrique Mandetta, que havia solicitado a opinião do CFM porque não concordava com o uso dos remédios diante da falta de evidências, era demitido. O documento, porém, só se tornou público uma semana depois, após o CFM apresentá-lo primeiro ao presidente Jair Bolsonaro, principal incentivador do uso dos medicamentos no país, dentro do chamado “tratamento precoce”.

Tão logo foi apresentado, o documento passou a ser contestado por entidades de especialidades médicas. Para os críticos, a manutenção da posição, quase um ano depois, é também uma demonstração de alinhamento político da entidade mais importante da categoria no país, que reúne mais de meio milhão de médicos, com o presidente Bolsonaro.

Fonte:Época

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