Opinião: Brasil e China, 50 anos de amizade e benefícios mútuos

Créditos: Canva - Brasil e China celebram 50 anos de relações diplomáticas

Neste ano de 2024 celebram-se 50 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre a República Popular da China e a República Federativa do Brasil. Momentos comemorativos como esses são oportunos para relembrar o ponto de partida, refletir
sobre o caminho percorrido e procurar a direção propícia para o aprofundamento dessas relações e o fortalecimento da amizade entre os povos brasileiro e chinês.

Nesse artigo, discorremos sobre a convergência estratégica que motivou o estabelecimento dessas relações, abordamos a atuação do presidente Xi Jinping na promoção dessa amizade, assim como a relevância dessas relações na construção de um mundo próspero, amigo e pacífico.

Convergência estratégica

Na segunda metade do século 20, a divisão do mundo em dois grandes blocos de poder passou a ser uma realidade geopolítica asfixiante para muitos países. Para países como o Brasil e a China, lutar por um ordenamento internacional menos asfixiante era questão vital para todos que almejavam um caminho de desenvolvimento próprio. Essa convergência estratégia foi a base sobre a qual se apoiaram o Brasil e a China para estabelecerem relações diplomáticas em 15 de agosto de 1974.

Em 1971, depois que a República Popular da China conquistou na Organização das Nações Unidas (ONU) o reconhecimento de representante legítima do povo chinês e assumiu sua vaga como membro permanente no Conselho de Segurança, a possibilidade de
mudanças significativas no cenário geopolítico internacional passou a ser concreta. Do lado brasileiro, um dos intérpretes desse potencial de mudança foi Antonio Francisco Azeredo da Silveira, ministro das Relações Exteriores no governo de Ernesto Geisel.

No início dos anos 70 já estava claro para Azeredo que a China exerceria cada vez mais influência nas questões mundiais e, como o Brasil também almejava um protagonismo internacional, era necessário uma comunicação mais direta e permanente com o país
de Mao Zedong. Dizia Azeredo:

“Num mundo que corre o risco de ser objeto de um condomínio entre as superpotências, a posição dissidente da China não deixa de oferecer oportunidades para um jogo diplomático mais complexo, que pode favorecer a países que, como o nosso, são refratários a qualquer tentativa de congelamento a dois do poder mundial” Ignorar essa mudança no quadro internacional e manter-se afastado da China tornaria o Brasil “um interlocutor menos sério” e “menos responsável no concerto internacional”.
(Conferência ministrada na Escola de Comando e Estado Maior do Exército no dia 11/8/1975).

Para Azeredo, a convergência de interesses estratégicos e a necessidade do Brasil manter diálogo direto com a China justificariam o estabelecimento dos laços diplomáticos. Além das vantagens econômicas e a construção de um conhecimento mútuo, essas relações posicionariam melhor o Brasil no jogo do poder mundial.

Em conferência na Escola de Comando Maior e Estado Maior da Aeronáutica em 1º de agosto de 1974, ou seja, duas semanas antes do estabelecimento das relações com a China, Azeredo ponderou que o contato direto com a República Popular da China era essencial para se avançar na compreensão mútua e nas cooperações. Seu argumento era que:

“A República Popular da China é hoje reconhecida por mais de cem países da comunidade internacional. Comercializa com um número ainda maior de países. Está representada na Organização das Nações Unidas e tem assento permanente no Conselho de Segurança. Sua presença, pois, no cenário internacional, é uma realidade indiscutível e só tende a tornar-se mais conspícua. Mais que isso, ainda, ela representa, hoje, importante fator de equilíbrio de poder (…) As possibilidades comerciais que se abrem nessas relações são amplas e proveitosas (…) A preocupação chinesa principal tem sido a de fazer do comércio um instrumento principal para o seu desenvolvimento nacional”.

Devido a situação política interna e a luta ideológica contra o comunismo, convencer o setor militar e outros segmentos sociais brasileiros de que as relações com a China eram fundamentais para os interesses do Brasil não foi tarefa fácil. Nesse sentido, é louvável o protagonismo desempenhado pelo setor empresarial. Como destacou o Professor Severino Cabral:

“É sintomático que os contatos entre os dois países tenham-se originado de uma iniciativa do empresário Horácio Coimbra, que, em 1970, visitou a título privado a Feira de Cantão. Dessa iniciativa pioneira surgiram negociações que culminariam no ato de estabelecimento de relações diplomáticas em 1974. Foram empresários brasileiros, que buscavam novos mercados para os seus produtos, que deram os passos iniciais, trazendo para o primeiro plano a necessidade de os governos chinês e brasileiro estabelecerem relações políticas, malgrado os distanciamentos entre os regimes políticos, orientados por concepções antagônicas, em plena disputa da Guerra Fria”.

(Cabral, Severino. China : uma visão brasileira. Macau : Instituto Internacional de
Macau, 2013, p. 85)

Do lado chinês essa convergência de interesses estratégicos também estava clara. Não se tratava de um relacionamento qualquer, mas de uma aproximação entre os dois importantes países em vias de desenvolvimento. Além dos benefícios políticos e econômicos, a criação de um canal de diálogo permanente com o Brasil era um passo essencial dentro da estratégia chinesa de ampliar o seu protagonismo internacional e fortalecer o seu próprio caminho de desenvolvimento nacional.

Essa visão da China está bem retratada nos pronunciamentos do vice-ministro do Comércio Exterior da República Popular da China, Chen Jie, chefe da delegação chinesa durante a visita que culminou com o estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e o Brasil. Em 8 de agosto de 1974, no almoço de recepção oferecido pelo chanceler Azeredo, o vice-ministro Chen Jie destacou a necessidade e os benefícios estratégicos dessa aproximação. Seu principal argumento era que:

“A China e o Brasil são dois países  em vias de desenvolvimento enfrentando hoje em dia a mesma tarefa de defender a soberania estatal, desenvolver a economia nacional, construir seus próprios países, e a mesma luta contra o hegemonismo e o poder de força das superpotências. Nos assuntos internacionais, os dois países têm pontos comuns em não poucos aspectos, o que apresenta uma boa perspectiva para nossa colaboração”.

No seu discurso no dia 15 de agosto de 1974, por ocasião da assinatura do Comunicado Conjunto sobre o estabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países, Chen Jie assim assinalou que:

“Nós, os países em desenvolvimento, temos mil e uma razões para nos unirmos ainda mais estreitamente e nenhuma razão para nos afastarmos uns dos outros. O estabelecimento das relações diplomáticas torna mais ampla a perspectiva de colaboração e intercâmbio entre os dois países.”

Em essência, o Brasil e a China estavam convencidos de que o diálogo, a cooperação e um trabalho conjunto era um imperativo estratégico para que pudessem exercer um maior protagonismo na arena internacional e avançar de forma soberana na construção de seus projetos de desenvolvimento. Adicionalmente, interessavam a ambos a construção de um ambiente internacional multipolar menos belicoso.

No Comunicado Conjunto sobre o estabelecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a China firmado em 15 de agosto de 1974, encontramos as colunas mestras sobre as quais se assentam a força dessa relação:

“Os dois Governos concordam em desenvolver relações amistosas entre os dois países com base nos princípios de respeito recíproco à soberania e à integridade territorial, não-agressão, não-intervenção nos assuntos internos de um dos países por parte do outro, igualdade e vantagens mútuas e coexistência pacifica”.

Firmadas em princípios sólidos e interesses estratégicos convergentes, as relações entre a República Popular da China e a República Federativa do Brasil continuam a avançar de forma gradual e segura. Decorridos 50 anos, o relacionamento entre os dois países atingiu patamares inimagináveis para os chineses e brasileiros que trabalharam para o estabelecimento dessas relações em 1974.

50 anos e 5 etapas

Esses 50 anos podem ser divididos em cinco etapas. Aqui, procuro dá continuidade a uma classificação apresentada em 2014 pelo ex-embaixador da China no Brasil, Chen Duqing. (Revista Fanzine – edição 48, n. 4, 2014. Beijing: Departamento de Português da Rádio Internacional da China). Aliás, o embaixador Chen, que era um dos 11 integrantes da delegação chinesa que estava em Brasília por ocasião do estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China, é uma testemunha direta da evolução dessas relações nesses 50 anos.

A primeira etapa, entre 1974 e 1985, foi de conhecimento mútuo. Para o embaixador Chen, o encontro entre Deng Xiaoping e o presidente João Batista Figueiredo foi determinante para o impulsionamento das relações. Em sua viagem à China em maio de
1984, durante o banquete oferecido por Li Xiannian, então presidente da China, ele assim discursou:

“Em certo sentido, chineses e brasileiros visam ao mesmo objetivo: alcançar, pelo esforço próprio, e com o suplementar apoio da comunidade das nações, novos e mais aperfeiçoados patamares de modernização econômica e desenvolvimento social (…) A principal questão, hoje, de nosso relacionamento é, sem dúvida, a de saber o que devem fazer países como o Brasil e a China para reforçar os vínculos existentes. Creio que a resposta a essa indagação não é teórica nem retórica. É prática, concreta e fundamentalmente construtiva”.

A segunda etapa, de 1985 a 1993, foi a de consolidação das relações. Nesse período, ampliaram-se as trocas comerciais, intensificou-se a interação entre os setores governamentais e o encontro entre autoridades do alto escalão político passou a ser mais frequente.

Destacam-se nesse período a visita do presidente José Sarney à China em 1988, ocasião em foi assinado o Acordo de Cooperação para Pesquisa e Produção de Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres (CBERS). Recorde-se que, como
resultado desse acordo, em 1997 foi lançado o primeiro satélite, o CBERS-1, sem dúvida um importante passo no campo da cooperação científica com grandes significados para a consolidação da confiança mútua.

“Vale ressaltar que os dois governos aprovaram a pesquisa e fabricação conjunta de satélites de recursos de terra (CBERS), mostrando deste modo alto nível de entendimento e maturidade das relações bilaterais. A cooperação na tecnologia de ponta entre a China e o Brasil é um caso inédito nos países em desenvolvimento.”
(Artigo de Chen Duqing sobre a Política Exterior da China publicado na Revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo em 1991).

Outro momento importante desse período foi a visita do presidente da República Popular da China, Yang Shangkun ao Brasil, em 1990. O coroamento dessa etapa foi a visita de Jiang Zemin ao Brasil em novembro de 1993, ocasião em que as relações passaram a ser denominadas de parceria estratégica. Em um almoço oferecido a Jiang Zemin, o então presidente Itamar Franco registrava o amadurecimento das relações e a elevação do nível da parceria:

“As relações entre nossos países ganham novo e decisivo impulso. (…) O diálogo sino-brasileiro se distingue, hoje, pela maturidade (…) As relações bilaterais ingressam em fase de crescente dinamismo. Evoluímos de uma relação de trocas para um verdadeiro entrelaçamento das duas economias em direção ao estabelecimento de uma efetiva parceria”.

A terceira etapa, de estabilização das relações, situa-se entre 1993 e 2003. Foi um período onde os encontros entre os altos dirigentes do Estado brasileiro e do Estado chinês se tornaram mais frequentes. Também houve um aumento substancial do fluxo
comercial e os encontros entre pessoas dos mais diversos segmentos sociais passaram a ser mais comum. Nesse período, em 1995, em sua visita a Beijing, o presidente Fernando Henrique Cardoso enalteceu a liderança internacional da China e reafirmou a prioridade dessas relações para o Brasil.

“Minha visita tem um sentido claro: venho conhecer de perto uma civilização de riqueza extraordinária e reiterar a prioridade que o Brasil atribui a suas relações com a China, país que ocupa posição de liderança no cenário mundial contemporâneo. Essa liderança é fruto da obra modernizadora que a nação chinesa vem empreendendo nas últimas décadas e que revigora a fantástica capacidade criativa de sua gente, que tem legado ao género humano conquistas que expandiram as fronteiras do conhecimento e que mudaram o próprio curso da História mundial (…) O conceito de parceria estratégica traduz com grande precisão a densidade de nossas relações bilaterais e a afinidade surgida de desafios compartilhados e de uma inserção internacional bastante assemelhada em suas grandes linhas (…) Brasil e China hão de realizar em sua plenitude a vocação de países com grande projeção internacional, não como um fim em si mesmo, não como exercício de políticas de poder, mas como um instrumento do desenvolvimento e bem-estar dos seus povos.”

(Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião da visita oficial à República Popular da China – Beijing, 13/12/1995)

Para o embaixador Chen Duqin, na quarta etapa temos uma “rápida expansão dos laços bilaterais”. Apesar do embaixador Chen Duqing não delimitar o seu término, pois, como já mencionamos acima, ele fez essa classificação em 2014, penso que essa quarta etapa pode ser fixada entre 2003 a 2012, ano em que as relações foram elevadas para o nível de parceria estratégica global.

Nessa fase foram criados importantes mecanismos institucionais para a fomentação do diálogo estratégico, como por exemplo, em 2004, a Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) e, em 2012, a criação do Diálogo
Estratégico Global. Também nesse período, em 2009, a China passou a ser o principal parceiro comercial do Brasil.

No campo cultural, gostaria de destacar dois importantes eventos que, a meu ver, podem servir de inspiração para a materialização de um diálogo intercivilizacional contínuo e profícuo. Um, foi a exposição “Guerreiros de Xi´an e os Tesouros da Cidade Proibida”, realizada em 2003 no pavilhão da Oca, no parque Ibirapuera, em São Paulo e, e o outro evento foi a exposição “Amazônia: Tradições Nativas”, realizada em 2004, em Beijing, no Museu Imperial (Cidade Proibida) e inaugurada com a presença de Lula, então no seu primeiro mandato como presidente do Brasil.

No caso da exposição “Guerreiros de Xi´an e os Tesouros da Cidade Proibida”, 11 soldados de terracota e dois cavalos da tumba do imperador Qing Shi Huang, em Shaanxi, assim como importantes tesouros pertencentes ao Museu do Palácio Imperial foram apreciados por mais de por mais de 800 mil pessoas, um fenômeno de público. No catálogo da exposição, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez o seguinte registro:

“A nova política externa brasileira definiu a China como um parceiro fundamental para o Brasil (…) Não há melhor cimento para as relações bilaterais do que o intercâmbio cultural. É através dele que as relações de dois países deixam de ser apenas entre Estados, passando a ser relações entre povos”.

Uma das principais características dessa nova etapa é a sua projeção para além das relações bilaterais.

“A Presidenta Dilma Rousseff e o Primeiro-Ministro Wen Jiabao anunciaram a elevação do relacionamento sino-brasileiro ao patamar de Parceria Estratégica Global. Assinalaram que essa decisão atesta o reconhecimento da crescente influência estratégica e global dos dois países, cuja cooperação será cada vez mais abrangente, numa conjuntura internacional marcada por mudanças profundas.”

(Comunicado Conjunto entre Brasil e China, Rio de Janeiro, 21 de junho de 2012).

Não casual, o diálogo entre China e Brasil ganhou densidade também nos diversos mecanismos internacionais, como o G20 e o BRICS. Na esfera econômica, a criação do Novo Banco de Desenvolvimento é um importante marco dessa transcendência.

Em 2012, a elevação das relações para o nível de parceria estratégica global e as eleições de Xi Jinping para o comando da China por ocasião do 18º Congresso Nacional do Partido Comunista da China (PCCh) coroam essa quarta etapa e abre um novo capítulo na história das relações sino- brasileiras, ou seja, a quinta etapa.

Aliás, mesmo antes de ser presidente da China, Xi Jinping já era um grande impulsionador dessas relações. Seu conhecimento sobre o Brasil e sua visão sobre a amizade entre os povos e o diálogo entre as civilizações criam
condições ainda melhores para o fortalecimento dessa amizade.

Xi Jinping e as relações sino-brasileiras

É importante termos em conta que, do lado chinês, essa 5ª fase vem sendo impulsionada diretamente pelo Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na nova era. Esse Pensamento é a força que projeta e dirige e o processo da modernização socialista do país, a revitalização da nação chinesa e a atuação internacional da China.

Vale relembrar que que desde o 19º Congresso Nacional do PCCh realizado em outubro de 2017, o Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na nova era passou a constar no Estatuto do Partido. Da mesma forma, em março de 2018, a 1ª Sessão Anual da 13ª Assembleia Popular Nacional, também o inclui na Constituição da República Popular da China. No entanto, na prática, logo depois do 18º Congresso Nacional do PCCh, em novembro de 2012, a direção do PCCh e a governança da China passaram a ser conduzidas por esse Pensamento.

O Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na nova era é constituído por um conjunto de partes mais específicas, como por exemplo, o Pensamento de Xi Jinping sobre o Estado de Direito, o Pensamento de Xi Jinping sobre o fortalecimento das Forças Armadas, o Pensamento de Xi Jinping sobre a Economia; o Pensamento de Xi Jinping sobre a Civilização Ecológica; o Pensamento de Pensamento de Xi Jinping sobre a Cultura; e o Pensamento de Xi Jinping sobre a Diplomacia. Proposições de alcances globais como a “Iniciativa Cinturão e Rota”; a “Iniciativa para o Desenvolvimento Global” a “Iniciativa para a Segurança Global” e a “Iniciativa para uma Civilização Global” são proposições práticas desse Pensamento.

O Pensamento de Xi Jinping sobre a Diplomacia tem por foco a promoção o diálogo entre os povos e as civilizações e a construção de uma comunidade de futuro compartilhado para a humanidade. Isso indica que, como grande país em desenvolvimento, a atuação diplomática da China tem como prioridade a preservação da paz mundial e a manutenção de um ambiente internacional pacífico, condições essas necessárias para a modernização dos países em desenvolvimento, a superação das graves questões sociais e ambientais e, por consequência, para a edificação de uma humanidade mais feliz, solidária e amiga.

Na verdade, Xi Jinping conhece muito bem o Brasil e há muitos anos participa diretamente do fortalecimento dessas relações. Ele já visitou o Brasil quatro vezes e, provavelmente, nesse ano de 2024 nos visitará pela quinta vez. A primeira dessas visitas ocorreu em janeiro de 1996, quando era vice-secretário do Partido Comunista da China (PCCh) no Comitê Provincial de Fujian. Na ocasião, assinou o protocolo de intenções para o estabelecimento das relações de irmandade entre o estado do Ceará e a província de Fujian.

Em fevereiro de 2009, então como vice-presidente da China, esteve em Brasília e em Manaus, aprofundamento da cooperação nas áreas de energia e mineração, reunindo-se com as principais autoridades políticas do Estado brasileiro, incluindo o então presidente Lula, e impulsionando as relações entre os dois países. Como presidente da República Popular da China, já visitou o Brasil em julho 2014 e em novembro de 2019, ocasiões em que que participou também da 6ª e 11ª Cúpula do BRICS.

Na visita de 2014, Xi Jinping esteve no Congresso Nacional e pronunciou um histórico discurso por ocasião das comemorações dos 40 anos do estabelecimento das relações diplomáticas entre a China e o Brasil.

“Abriu-se uma nova era do nosso relacionamento bilateral no dia 15 de agosto de 1974, quando a China e o Brasil estabeleceram relações diplomáticas. Hoje, como comentou o Confúcio, ‘quem tem 40 anos está livre de perplexidade’, o nosso relacionamento apresenta-se mais maduro e consolidado”.

Para Xi Jinping, ‘Melhor que se conhecer, é se compreender, melhor que se compreender, é se tornar em amigos do peito’. A amizade entre povos é fonte de forças para o desenvolvimento das nossas relações bilaterais”. Entre outras importantes referências, Xi Jinping inspirou-se no nosso querido Oscar Niemeyer, que certa vez afirmou que:

“Num dia em que o mundo for mais justo, a vida será mais simples”. Xi aproveitou, essa reflexão de Niemeyer para relembrar que “O ser humano vive numa só terra, e todos os países compartilham o mesmo mundo. (…) Todos os países devem seguir os princípios de igualdade, confiança recíproca, inclusividade, aprendizagem mútua, cooperação e ganhos compartilhados, para juntos salvaguardar e levar adiante a justiça, bem como promover a construção de um mundo harmonioso de paz duradoura e prosperidade comum.”

(Erguer a amizade tradicional para abrir um novo capítulo na cooperação – Discurso do Presidente Xi Jinping no Congresso Nacional do Brasil no dia 16 de julho de 2014)

A título de curiosidade, a citação que Xi Jinping fez do filósofo e educador Confúcio (551-479 a.C.) é parte integrante dos Analectos, um dos clássicos da civilização chinesa escrito há mais de dois mil anos. Na parte mencionada por Xi Jinping, Confúcio reflete sobre seu processo de formação, amadurecimento, consciência e missão.

“O mestre disse: aos 15 anos determinava a minha vontade no estudo; aos 30 anos firmei-me; aos 40 anos não tinha dúvidas; aos 50 conheci o mandato celestial; aos 60 meus ouvidos eram obedientes; aos 70 seguia o que meu coração desejava sem transgredir as regras”.

A tradução aqui nos foi apresentada pelo Professor Mário Bruno Sproviero em uma de suas aulas memoráveis sobre a civilização chinesa ministrada na Universidade de São Paulo, que tive a felicidade de participar no início do ano 2000. Caso continuássemos a usar essa analogia para nos referir ao aniversário dos 50 anos do estabelecimento das relações entre o Brasil e a China, conhecer o “mandato celestial” poderia ser entendido como ter uma firme consciência de que essas relações são importantes não apenas para interligar o “Oriente” e “Ocidente” em desenvolvimento, mas principalmente para transformá-la em uma força promotora da paz, da amizade entre os povos e de um desenvolvimento global solidário.

A quarta visita do presidente Xi Jinping ao Brasil, em novembro de 2019, além de acordos em diversas áreas de intercâmbios, a visita serviu para dissipar muitas inquietudes e demonstrar a maturidade e solidez dessas relações. Por exemplo, depois do resultado das eleições no Brasil em 2018, havia temores sobre o futuro dessas relações. Lembro-me que publiquei naquele momento um pequeno artigo enfatizando que o horizonte dessa parceria não deveria ser temido, pois essas relações já estavam bem madura e seu futuro continuava promissor. (Os horizontes das relações sino-brasileiras no governo de Bolsonaro – Diário do Povo Online, 02 de novembro de 2018).

O artigo argumentava que, “A consistência dessas relações não está assentada nos números passageiros da balança comercial, na compra ou venda de commodities ou nos vultuosos e necessários investimentos econômicos (…) A força dessa relação está em seus princípios, edificados cuidadosamente desde o seu início”.

Também realçava que “O presidente Xi Jinping tem mencionado frequentemente a necessidade de um diálogo amigável e sincero entre as civilizações, onde as diferenças sejam respeitadas e celebradas. Ele também tem orientado a China para seguir um modelo de relações internacionais centrado no diálogo, na cooperação e na busca por benefícios mútuos”.

Além das visitas ao Brasil, o presidente Xi Jinping tem frequentemente se reunido na China e em fóruns multilaterais com os presidentes brasileiros. O mais recente desses encontros foi em abril de 2023, quando o presidente Lula realizou uma visita de Estado à China. A Declaração Conjunta emitida no dia 14 de abril de 2023, reflete a amplitude dessas relações, sua convergência estratégica e importância global.

“As duas partes consideraram que, no atual contexto de rápidas mudanças e marcadas turbulências internacionais, é preciso renovar os esforços em prol dos valores comuns da humanidade: paz, desenvolvimento, equidade, justiça, democracia e liberdade”.

Também “reafirmaram o compromisso de promover a democratização das relações internacionais e o multilateralismo” e “coincidiram em que o futuro de todos os países está estreitamente interligado, e é preciso promover a tolerância, a coexistência, o intercâmbio e a aprendizagem mútua entre diferentes civilizações”.

Desde que foram estabelecidas em 1974, as relações entre o Brasil e a China conseguiram avançar de forma gradual e segura. Graças ao seu amadurecimento, as adversidades circunstanciais puderam ser sempre contornadas e a convergência estratégica, assim como os crescentes benefícios mútuos têm predominado.

Na etapa atual do progresso humano, as diferentes civilizações e os distintos modelos de desenvolvimento precisam ser melhor compreendidos e mais respeitados. É necessário encontrar novos caminhos para a superação de conflitos entre os Estados e compartilhar conhecimentos visando a solução de problemas ambientais e sociais comuns. O relacionamento exemplar entre dois grandes países em desenvolvimento como o Brasil e a China, poderão inspirar diversos povos do mundo a terem mais confiança no futuro.

Se nos anos 70 o ordenamento internacional bipolar era um fator geopolítico asfixiante para países como o Brasil e a China, na atualidade, a superação da assimetria de poder continua na ordem do dia. China e Brasil são dois importante protagonistas na aceleração desse processo de multipolarização mundial e quanto melhor essa relação fluir, maiores serão as conquistas nessa direção.

Na visão do professor Severino Cabral, um intelectual que trabalhou incansavelmente para a construção dessa amizade e a produção de um conhecimento mútuo substancial:

“O Brasil e a China podem vir a estabelecer um grau de complementação, de tal maneira que se pode antecipar que o século XXI talvez venha assistir à integração do Brasil – e por efeito de uma concertação política maior: o conjunto da América Latina – ao processo de construção da Ásia-Pacífico, assegurando uma cooperação bilateral que se transformará num dos eixos da concertação internacional do milênio. Desse modo, o diálogo intercivilizacional e a cooperação cultural mais densa e próxima ajudarão a fazer com que a relação sino-brasileira se transforme num dos pilares da ordem mundial multipolar pós-hegemônica”.

(Cabral, Severino. China : uma visão brasileira. Macau : Instituto Internacional de Macau, 2013)

Os próximos 50 anos

Sob nenhum aspecto, o Brasil e a China são concorrente estratégicos. Por isso mesmo, poderíamos dizer que os interesses comuns nos unem e as diferenças nos atraem. A China, com um percurso civilizacional ininterrupto de mais de 5 mil anos tem aportes inestimáveis não apenas para a América Latina, mas para todos os povos. O Brasil, tão bem definido por Darcy Ribeiro como “um povo novo, feito de povos milenares”, tem no seu DNA essa procura constante para a compreensão e estabelecimento de relações profícuas com o “diferente”, pois no fundo esse é um elemento definidor da própria identidade brasileira.

Graças aos benefícios gerados e o conhecimento acumulado ao longo desses 50 anos, as condições para o aprofundamento desse diálogo intercivilizacional e para o fortalecimento da amizade entre o povo chinês e o povo brasileiro estão criadas. No Brasil, além do presidente Lula, políticos de distintas matizes ideológicas e representações sociais, diferentes segmentos empresariais e amplos setores da sociedade brasileira estão cada vez mais consciente sobre a importância desse relacionamento. E como já foi dito, na China, a visão de mundo do presidente Xi Jinping condensada no seu sistema de Pensamento, amplia ainda mais as perspectivas dessas relações.

Penso que a intensificação da cooperação cultural, a promoção do diálogo intercivilizacional e o fortalecimento da amizade entre os nossos povos devem figurar entre as prioridades das prioridades dos tempos atuais. Um conhecimento mútuo superficial nos torna muito frágeis, principalmente diante de um ambiente internacional cada vez mais desafiador. Nesse sentido, são muitas as possibilidades, quer no campo econômico, educacional, cultural e científico.

Por exemplo, pode-se criar plataformas voltadas que facilite a interação e as trocas comerciais entre pequenas e médias empresas, assim como pequenos e médios produtores. Deve-se, ampliar a cooperação entre universidades, bibliotecas, museus, centros de pesquisas, minorias étnicas, etc, assim como a divulgação da cultura chinesa no Brasil e da cultura brasileira na China. Pode-se expandir o ensino da língua chinesa e do português e ampliar a tradução de obras literárias clássicas e contemporâneas, assim como a tradução de obras técnicas e pesquisas acadêmicas.

Em resumo, é preciso aperfeiçoar e desenvolver constantemente mecanismo que envolvam mais e mais a sociedade civil de ambos os países, especialmente acadêmicos, artistas, literatos, estudantes e jovens. Muitos jovens. Pois assim tornaremos a amizade sino-brasileira cada vez mais inquebrantável.

Na verdade, sabemos que de alguma forma isso já está sendo feito. Também sabemos que o avanço científico e tecnológico vai contornando o distanciamento geográfico e a barreira linguística e cultural e cada vez mais brasileiros se conectam com a China e vice-versa. Mas é preciso pensar em uma escala e uma qualidade que corresponda aos desafios do tempo presente e à grandeza do Brasil e da China.

Para concluir, permitam-me compartilhar uma breve história. Em 1995, saí de São Paulo e fui para o Rio de Janeiro com um amigo para um encontro muito especial. No Rio, nos juntamos a um casal de amigo e fomos nos encontrar com o nosso querido arquiteto e humanista Oscar Niemeyer. No seu escritório, como se estivéssemos diante de um amável avô, conversamos sobre seu livro de poesia, novas as tecnologias de comunicação, lutas sociais, juventude e amizade.

Depois de cerca de uma hora de conversa, aproximei-me um pouco da janela do seu escritório e fiquei a contemplar por alguns instantes o lindo mar de Copacabana. Absorto, recordava-me de Palomar, um personagem de um conto do escritor italiano Ítalo Calvino, que diante de tantas ondas, fixar o seu olhar em uma única onda, acompanhando-a desde o seu despontar até o seu desvanecer. De repente, Oscar se aproximou de mim, colocou a mão no meu ombro e com uma voz suave fez a seguinte pergunta: “Como você acha que o Brasil estará daqui a 50 anos?”.

Surpreso com o gesto e a pergunta, confesso que nada respondi. Mas depois de alguns anos meditando naquela questão, entendi que a pergunta era na verdade um grande ensinamento. Clarividente, Oscar percebia que era necessário ensinar os jovens, encorajá-los e despertá-los para ações humanas e sociais mais transcendentes, pois os jovens eram como um futuro já presente.

Na época, meu horizonte de futuro era muito imediato, mas bastou aquele questionamento para que eu passasse a ampliá-lo. Em vez de pensar e agir apenas para o dia seguinte, passei a pensar e agir pensando anos e as gerações. Para os jovens que forem ler esse texto, repito a mesma questão. Daqui a 50 anos, como estará a amizade sino-brasileira?

Independentemente das mudanças, espero que nos conheçamos cada vez melhor e que as relações entre a China e o Brasil se mantenham sólida e inspiradora. Sobre o Yan e a Anna, minhas crianças sino-brasileiras nascidas em Shaoxing em fevereiro de 2022, meu grande desejo é que elas percebam a importância transcendental dessa ligação entre um oriente chinês e um ocidente abrasileirado, contribuindo também para que a amizade entre os nossos povos seja sempre vívida, benéfica e brilhante.

*José Medeiros da Silva é professor e diretor do Centro de Estudos de Brasil da Universidade de Estudos Internacionais de Zhejiang

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