Nesta quarta-feira, participei de uma roda de conversa promovida pelo embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao. O encontro reuniu jornalistas e acadêmicos para debater o tema da guerra comercial. A conclusão inevitável é a de que, até agora, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem conseguindo destruir a credibilidade da marca “Estados Unidos” e, involuntariamente, ele também fortalece a imagem internacional da China como país comprometido com a cooperação, a estabilidade e o multilateralismo.
O embaixador apresentou uma análise estruturada da guerra tarifária iniciada pelos Estados Unidos. Segundo ele, trata-se de uma ofensiva não apenas contra a China, mas contra a ordem internacional baseada em regras e cooperação, representando o risco de retorno à “lei da selva”. As tarifas unilaterais impostas por Washington violam os fundamentos do comércio internacional e criam instabilidade global. Sua exposição foi baseada em cinco princípios: regras, direitos, equidade, credibilidade e solidariedade.
Ao falar sobre regras, o embaixador lembrou que o sistema multilateral de comércio é fruto de décadas de construção coletiva. Ao romper com esse sistema, os Estados Unidos abrem mão da previsibilidade e da legalidade internacional, substituindo a cooperação pelo domínio de força. No campo dos direitos, o embaixador destacou que o desenvolvimento deve ser universal. Os Estados Unidos, ao invés de promover reformas internas para reforçar sua competitividade, tentam transferir seus desequilíbrios ao resto do mundo por meio de tarifas e coerção, negando o direito ao desenvolvimento de outras nações.
Sobre equidade, ele criticou o falso argumento da “reciprocidade” adotado por Washington. Citou o exemplo do Brasil, com quem os EUA mantêm forte superávit comercial, inclusive em serviços, e mesmo assim impõem novas tarifas, violando o princípio da complementaridade entre as economias. No capítulo da credibilidade, o embaixador foi enfático: “Um país que rasga acordos internacionais compromete sua própria reputação”. Ele alertou ainda que a instabilidade política e comercial dos Estados Unidos representa hoje uma das principais fontes de incerteza global.
No quinto ponto, o da solidariedade, ele destacou que a China não deseja conflitos, mas está pronta para reagir com firmeza. As contramedidas adotadas, apoiadas pela população chinesa, visam proteger não apenas os interesses chineses, mas também a ordem internacional e os interesses comuns de países em desenvolvimento.
Quebra de preconceitos e nova percepção
No encontro, compartilhei minha percepção sobre o que observo nas redes sociais: mesmo nas big techs estadunidenses – como X, Instagram e YouTube – há cada vez mais conteúdo positivo sobre a China e uma visão crítica sobre o que ocorre nos Estados Unidos. Acrescentei também que o interesse do público pela China nunca foi tão grande. Multiplicam-se lives, debates e reportagens sobre sua trajetória de desenvolvimento. Essa curiosidade crescente está ajudando a romper preconceitos históricos – inclusive em relação ao sistema político chinês, que tem o Partido Comunista da China como sua espinha dorsal. O embaixador reforçou que, de fato, a crise trouxe uma oportunidade: a de que haja uma melhor compreensão internacional sobre o modelo chinês – e sobre por que motivos ele efetivamente funciona para a sociedade chinesa.
Outro ponto central abordado pelo embaixador foi o papel das empresas. Ele fez um apelo direto para que as empresas brasileiras ampliem sua cooperação com as empresas chinesas. Segundo ele, o fortalecimento das relações entre China e Brasil não deve depender apenas de iniciativas governamentais. O setor privado tem um papel decisivo a cumprir, identificando oportunidades, promovendo investimentos e construindo alianças duradouras.
Nesse contexto, ganha relevância a reunião China-CELAC, marcada para 13 de maio, como um momento estratégico para transformar discursos em ações concretas. O encontro, que reunirá países da América Latina e do Caribe, será uma oportunidade crucial para aprofundar o diálogo e firmar parcerias em áreas como comércio, infraestrutura, tecnologia e sustentabilidade.
O embaixador também apresentou dados que mostram a resiliência da economia chinesa. No primeiro trimestre deste ano, a China cresceu 5,4%, superando as expectativas, mas isso ocorreu antes do tarifaço. Segundo o embaixador, nesta nova etapa, será fortalecida a “dupla circulação”, com mais estímulos ao mercado interno chinês por meio de estímulos fiscais.
Ao final de sua exposição, o embaixador citou o economista Adam Posen, que comparou a guerra tarifária com a China a um possível “Vietnã econômico” dos Estados Unidos – uma batalha prolongada, custosa e autodestrutiva, que tem como consequência a queda da influência global de Washington.
O fato concreto é que, hoje, a marca “Estados Unidos” está associada à instabilidade, à imprevisibilidade e à imposição de força. Já a marca “China” começa a ser vista, em diversas partes do mundo, como sinônimo de racionalidade, planejamento, continuidade e cooperação. O mundo está mudando rapidamente, e o Brasil, como país-chave do Sul Global, tem tudo a ganhar ao estreitar seus laços com quem aposta no diálogo, na estabilidade e no futuro compartilhado.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião da Agência Brasil China.