O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender neste domingo (3) a criação de uma moeda alternativa ao dólar para o comércio internacional, em meio ao agravamento das tensões comerciais com os Estados Unidos. A declaração foi feita dias após a confirmação de um tarifaço de 50% imposto por Washington sobre uma série de produtos brasileiros, medida que afeta cerca de 36% das exportações nacionais.
Em discurso durante evento do Partido dos Trabalhadores, Lula foi enfático: “Eu não vou abrir mão de achar que a gente precisa construir uma moeda alternativa. Eu não preciso ficar subordinado ao dólar”. A fala ecoa uma pauta que o Brasil tem promovido no âmbito do BRICS, especialmente em cooperação com a China, principal parceiro comercial do país.
Embora os EUA não tenham relacionado oficialmente a discussão sobre o dólar às novas tarifas, analistas apontam que a crescente articulação dos países do BRICS — grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — por uma maior autonomia monetária teria incomodado a Casa Branca. Durante a cúpula do bloco em julho, realizada no Rio de Janeiro, o presidente Donald Trump criticou publicamente a proposta e ameaçou retaliações econômicas.
“Não somos uma republiqueta”
Lula também reagiu à imposição das tarifas com críticas ao que considera uma tentativa de intimidação. “Nós queremos ser respeitados pelo nosso tamanho. Nós temos interesses econômicos e estratégicos. E nós não somos uma republiqueta”, afirmou, defendendo que medidas econômicas não devem ser usadas como instrumento de pressão política.
Ainda assim, o presidente reafirmou que o Brasil não busca confronto. “Nós mantemos há 201 anos relações diplomáticas com os EUA e queremos continuar esse diálogo. Mas não podemos aceitar ser penalizados por divergências políticas ou geopolíticas”, completou.
Menor dependência dos EUA, mais espaço para a China
Lula destacou que o Brasil, hoje, é menos dependente da economia norte-americana do que no passado. A diversificação dos parceiros comerciais — especialmente com o fortalecimento das relações com a China — dá ao país mais margem de manobra em tempos de turbulência internacional.
Enquanto os EUA endurecem medidas tarifárias, a China tem ampliado sua parceria com o Brasil em diversas frentes. Recentemente, Pequim anunciou a habilitação de quase 200 produtores brasileiros de café para exportação ao mercado chinês, além de parcerias em energia limpa e infraestrutura, como o projeto de amônia verde no Ceará liderado pela chinesa Envision Energy.
Diálogo continua
Apesar do clima de tensão, as portas não estão fechadas. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, representantes do governo norte-americano já entraram em contato com a equipe econômica brasileira. Um pacote de medidas de apoio às empresas brasileiras afetadas pelas tarifas será anunciado nos próximos dias, incluindo linhas de crédito específicas.
Trump também afirmou estar disposto a conversar diretamente com Lula. A expectativa é que, com o avanço das negociações, se construa um caminho que preserve os interesses estratégicos do Brasil sem romper com parceiros tradicionais.
Enquanto isso, Lula reforça o compromisso do país com uma inserção internacional mais autônoma — e não descarta que, no futuro, uma moeda alternativa ao dólar seja parte central dessa estratégia, com o apoio de aliados como a China.