Em comemoração ao cinquentenário das relações diplomáticas entre Brasil e China e o décimo aniversário entre a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), foi realizado nesta terça-feira (10), no Rio de Janeiro, um evento com o intuito de debater direitos humanos, relações internacionais e governança global.
Com o tema “Diversidade da Civilização e a Escolha do Caminho para Realizar os Direitos Humanos“, o evento contou com a participação de mais de 120 pessoas, entre altos funcionários, especialistas, acadêmicos, representantes de organizações sociais relevantes, think tanks e mídia.
Durante o encontro, os presentes ressaltaram os direitos humanos como ferramenta para o mundo multilateral, reforçando os cuidados com a segurança, a saúde, ciência e a empregabilidade. Descolando a ideia de direitos humanos de uma visão unipolar.
Enquanto discursava, Victoria Donda, membro do parlamento do Mercosul, chamou a atenção para os riscos de uma perspectiva unilateral de direitos humanos, frisando a importância de aprofundar o debate sobre o tema.
Segundo ela, direitos humanos, liberdade e democracia têm sido utilizados como conceitos vazios para a intervenção política em alguns países.
À Sputnik Brasil, Donda reafirmou que é preciso ressignificar conceitos como direitos humanos e democracia, ferramentas que os Estados utilizam para garantir os direitos de seus cidadãos.
“Os direitos humanos associados a momentos excepcionais são usados como um teste para o intervencionismo global por parte dos países centrais. Acreditamos que falar sobre direitos humanos e garantias de direitos humanos deve ser feito num contexto de diversidade de povos e de respeito aos governos que respeitam essas políticas”, disse.
Se após os destroços deixados pela Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) pode ter sido utilizada como ferramenta para alavancar um entendimento unilateral, 80 anos depois, países do Sul Global contestam esse lugar.
“Esses países que reconquistaram a sua independência, reconquistaram seus protagonismos e e trazem temáticas importantes como o desenvolvimento, a cooperação, a justiça internacional e o multilateralismo”, disse, em entrevista à Sputnik Brasil, Marcos Cordeiro Pires, professor de economia política internacional da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Exemplo de país que, a partir do desenvolvimento e da estruturação de suas bases políticas e econômicas amplia sua voz nos debates em contexto global, é a China. Pires destaca que ter o gigante asiático conduzindo conversas relacionadas aos direitos humanos é importante, pois trata-se de um país “que não tem suas pretensões hegemônicas e também não tem um discurso universalista”.
“Direitos humanos não é um patrimônio exclusivo dos países ocidentais. Esse debate aqui é muito importante porque a nossa percepção de direitos humanos, ela se reduz muito aos aspectos formais, tal como aqueles liderados pelos Estados Unidos e os países europeus”, afirma o professor na Unesp. “Discutir direitos humanos atualmente na América Latina é estender esses conceitos abstratos e trazer problemas reais, como principalmente o desenvolvimento e o combate à fome como um direito essencial para todos os seres humanos”, acrescenta.
Juan Carlos Moraga Duque, presidente da ONG Human Rights Without Frontier (Direitos Humanos Sem Fronteiras), ressaltou em seu discurso o papel exercido pela China quando o assunto é direitos humanos, ao passo que este lugar não é reconhecido, sobretudo pelo Ocidente, a partir de repetidos lugares-comuns e sem conteúdo acerca do país.
“Um caso específico é a Ucrânia, onde a China tem defendido com o seu imenso apoio que as negociações de paz devem ser apoiadas, ao contrário dos países da OTAN que, claro, sem consultar o seu povo, estão a colocar lenha na fogueira para acumular enormes fortunas. Para eles, a guerra é um negócio e, portanto, uma clara violação dos direitos humanos que devemos denunciar”, destaca.
Conforme destaca Moraga Duque, a Constituição Chinesa, aprovada em 1982, define os direitos humanos como uma parte importante do Estado de Direito e governança social.
Na mesma linha, Ronnie Lins, diretor do Center China & Brazil: Research and Business (CCB), afirma em declarações à Sputnik Brasil que o conceito de direitos humanos é preponderante para os chineses e está diretamente relacionado à soberania nacional.
“Obviamente, a defesa das pessoas, a defesa do país, dos interesses, isso tudo faz parte da manutenção dos direitos humanos dos chineses”, afirma.
O evento, portanto, permite que a temática direitos humanos seja colocada no centro do diálogo Sul-Sul, mais especificamente entre a China, notadamente uma potência mundial, e países da América Latina.
O encontro, em suma, oportuniza que as nações latino-americanas obtenham melhor conhecimento a respeito de tradições e valores que também fundamentam os direitos humanos no mundo oriental, além daquelas que, comumente, estão acostumadas a lidar.
“[O evento] permite a troca de experiências, de conhecer quais são as abordagens e valores e identificar de maneira prioritária onde é que estão as concepções de direitos humanos que possam ser consideradas universais, independentemente das culturas, independentemente das diferenças que possam existir entre os países”, destaca à Sputnik Paulo Abrão, ex-secretário-executivo do Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos (IPPDH) do Mercosul, ex-secretário-nacional de Justiça, ex-diretor do Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos do Mercosul e presidente da Comissão de Anistia do Brasil.
Abrão ressalta, ainda, as condições atuais para realizar um debate dessa proporção que permita uma discussão crítica da construção histórica e force a comunidade internacional a reconhecer a complexidade da diversidade humana para que, ciente dos desafios, rume para a construção de uma sociedade mais pacífica, “tendo os direitos humanos como a gramática ou o eixo estruturante dessas relações sociais“.
“O diálogo entre o Sul Global é um ponto de partida importante, porque ele estabelece uma perspectiva do Sul Global em relação a essa forma de se viver que tem que ser reconhecida pelos países centrais. Não é mais possível que, numa complexidade que nós vivemos atualmente, tenhamos fórmulas únicas para poderem ser aplicadas a todas as sociedades, especificamente na agenda de direitos humanos”, conclui.