Cientistas de instituições brasileiras buscam caminhos para monitorar terremotos em ‘tempo quase real’

Em meio ao cenário de destruição causado pelo terremoto que atingiu parte da Turquia e da Síria matando mais de 17 mil pessoas, a ciência busca avançar no monitoramento e na caracterização dos movimentos de falhas geológicas que permitam alertar para esse tipo de ocorrência. Até o momento, não existem instrumentos capazes de prever tremores.

Pesquisadores ligados a instituições e universidades brasileiras têm desenvolvido nos últimos anos estudos com foco, entre outros objetivos, em apontar a importância da homogeneização de diferentes escalas para comparação de atividade sísmica em regiões diversas e também do monitoramento em near real time (NRT, na sigla em inglês para quase em tempo real).

É com esse objetivo que um grupo de cientistas recebe apoio da FAPESP para trabalhar nos próximos quatro anos no desenvolvimento de métodos baseados na ionosfera que detectarão terremotos e tsunamis em NRT. A ionosfera é a camada da atmosfera localizada entre 60 e 1.000 quilômetros (km) de altitude, composta de íons, elétrons e plasma ionosférico que exercem, por exemplo, influência na propagação das ondas de rádio para lugares distantes da Terra.

“Um pequeno tremor na atmosfera pode ser bem maior na ionosfera. Por exemplo: o deslocamento da superfície da Terra durante um terremoto pode ser de milímetros, mas na ionosfera o registro atinge um número 10 mil vezes maior. Sabemos que nas últimas três décadas há vários trabalhos nessa área, mas nosso foco é o monitoramento em tempo quase real, um desafio ainda a ser resolvido. Um primeiro pulso de tremor dura cerca de dez minutos. Já conseguimos detectar em seis minutos depois do início do terremoto, mas queremos reduzir esse prazo, talvez para dois minutos ou poucos segundos”, explica o pesquisador Esfhan Alam Kherani, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Considerado um dos poucos especialistas na dinâmica da ionosfera/atmosfera em atuação no Brasil, Kherani é o pesquisador responsável pelo projeto “Detecção ionosférica e imageamento de terremotos e tsunamis em tempo quase real”, financiado pela FAPESP.

Atua juntamente com outros cientistas do Inpe, entre eles Eurico Rodrigues de Paula; da Universidade do Vale do Paraíba (Univap); da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Global de Física de Paris (IPGP). O grupo inclui analistas de dados, especialistas em simulações e em Sistemas Globais de Navegação por Satélite (GNSS, termo genérico para um sistema de navegação por satélite que fornece posição precisa, como coordenadas geográficas e altitude, a qualquer momento e em qualquer parte do planeta).

Estudioso dessa área, o doutorando Saúl Alejandro Sánchez Juarez, que faz parte do grupo, afirma que mesmo terremotos de baixa magnitude podem ajudar a entender como monitorar outros maiores. “Em nosso trabalho publicado no ano passado reportamos distúrbios ionosféricos cossísmicos ou ionoquakes [causados pela transferência da energia sísmica para a atmosfera e a ionosfera na forma de ondas de gravidade acústica] associados aos terremotos Ridgecrest de choque principal 6,4 Mw [escala de magnitude de momento, que mede a energia liberada] e seus tremores secundários entre 3,55 e 4,6 Mw ocorridos em 4 de julho de 2019 na Califórnia, Estados Unidos. É possível que os terremotos de magnitude Mw menor que 4,6 sozinhos não possam gerar ionoquakes detectáveis. No entanto, na presença do choque principal de maior magnitude, ainda podem registrar contribuições para os ionoquakes”, completa Juarez.

O pesquisador se refere ao artigo publicado na revista científica Remote Sensing no início do ano passado, que estudou os efeitos na ionosfera do terremoto que atingiu a região sul da Califórnia em 2019. Teve como epicentro os arredores da cidade de Ridgecrest, sendo um dos mais fortes registrados na região. Chegou a ser sentido em um raio de quase 640 km e provocou danos em infraestruturas. O trabalho teve apoio da FAPESP.

Segundo Kherani, com tsunamis é possível fazer alertas, mas em casos de terremoto a situação é diferente, principalmente se os tremores são de baixa magnitude.

“Dentro do projeto, meu papel é fornecer subsídios para a análise de dados sismográficos. No Brasil, onde os tremores são de baixa magnitude, contamos hoje com a Rede Sismográfica Brasileira [RSBR], com estações de monitoramento instaladas por todo o país e capazes de detectar, de forma geral, sismos a partir de 2 ou 2,5 de magnitude regional [mR] ou de momento [Mw]”, diz à Agência FAPESP o professor Giuliano Sant’Anna Marotta, chefe do Observatório Sismológico da UnB.

O observatório faz parte de um dos quatro grandes grupos da RSBR, que tem o objetivo de monitorar a sismicidade do território nacional e gerar informações por meio das atuais 93 estações instaladas pelo país. A parte Sul e Sudeste da RSBR está sob a coordenação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).

Medindo o terremoto

Uma das escalas usadas para medir a magnitude dos terremotos é a Richter, desenvolvida nos anos 1930 pelos sismógrafos Charles Richter e Beno Gutenberg, ambos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech na sigla em inglês). Ela quantifica a intensidade conforme a manifestação na superfície terrestre e cresce de forma logarítmica. Com isso, um tremor de magnitude 4 é 100 vezes maior que um de 2 pontos, por exemplo.

De forma geral, um tremor menor que 3,5 pontos é registrado pelos sensores sismológicos, mas pode não ser percebido se ocorrer longe das cidades. Entre 3,5 e 5,4 pontos pode ser sentido pela população, mas raramente causa danos. Já de 6,1 a 6,9 o terremoto pode ser destrutivo em áreas em torno de 100 km do epicentro e entre 7,0 e 7,9 – faixa em que está o registrado na Turquia no início de fevereiro de 2023 – pode provocar sérios danos.

Há também a Escala de Magnitude de Momento (abreviada como Mw), criada em 1979 por Thomas Hanks e Hiroo Kanamori, que substituiu a Richter para medir a magnitude dos terremotos em termos de energia liberada.

Entendendo o fenômeno

Professor do IAG-USP e um dos principais especialistas em sismologia do Brasil, Marcelo Assumpção foi o pesquisador responsável por um Projeto Temático FAPESP que durante mais de sete anos reuniu cientistas para estudar a estrutura sísmica da crosta e do manto superior das bacias Pantanal, Chaco e Paraná.

A empreitada resultou em 14 artigos publicados em periódicos internacionais, três teses de doutorado e oito mestrados. Em artigo divulgado em dezembro de 2022 no Journal of South American Earth Sciences, o grupo discute o uso de indicadores de magnitude de tremores, à luz de índices regionais para o Brasil.

“O Temático da FAPESP estava ligado à pesquisa de estruturas mais profundas. Possibilitou a instalação e a operação de várias estações de monitoramento nas bacias do Paraná e do Pantanal. Essas estações ajudaram a registrar tremores de terra nos últimos anos no Brasil, constituindo uma importante fonte de dados para melhorar o conhecimento das necessidades do país e buscar entender os motivos de algumas regiões terem mais tremores do que outras”, completa Assumpção.

Localizado em uma região estável, no interior de placa tectônica, o Brasil registra todos os anos tremores de terra de baixa magnitude, que nem sempre são sentidos pela população. Os Estados mais suscetíveis são o Ceará e o Rio Grande do Norte, seguidos do sul de Minas e do Pantanal de Mato Grosso. Em agosto do ano passado, por exemplo, foram registrados oito tremores na costa do Rio Grande do Norte, sendo o maior deles com magnitude de 3,7 pontos (na escala Richter), segundo a Rede Sismográfica Brasileira.

Os abalos de maior intensidade no país foram detectados em 1955 na Serra do Tombador, em Mato Grosso, com 6,2 pontos e em 2022 na região da fronteira com o Peru, que ficou em 6,5 pontos.

Assumpção destaca que em breve deve ficar pronto um mapa de ameaça sísmica do Estado de Minas Gerais, com olhar especial para as áreas de mineração e barragens. Após os rompimentos da Barragem do Fundão, em 2015 no município de Mariana – considerado o pior desastre ambiental do país –, e da barragem em Brumadinho, ambos em Minas, os órgãos governamentais ampliaram as exigências de diagnóstico de estabilidade de solo, incluindo avaliações sísmicas.

Outros artigos publicados por grupos de pesquisadores que incluem o professor Assumpção podem ser lidos em: https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1029/2021JB022575 e www.mdpi.com/2073-4433/12/6/765.