Brasil, Europa e China têm crises energéticas com causas diferentes; entenda

Para especialistas, crises estão ligadas a questões climáticas e recuperação pós-pandemia, e devem perdurar no curto prazo

O Brasil não é o único que passa por uma crise energética atualmente. Na China, por exemplo, o nordeste do país já registrou apagões devido à falta de carvão, principal fonte energética da nação. Na Europa, os preços do gás natural dispararam, gerando um risco de escassez em meio à proximidade do inverno no continente, onde o gás também é usado para abastecer os sistemas de aquecimento.

As três crises ocorrem em meio a um processo de retomada da economia mundial com o avanço da vacinação, e ameaçam as cadeias produtivas e de fornecimento em todo o mundo. Mas há alguma relação entre essas crises?

No Brasil, a água

A crise energética brasileira ocorre em decorrência de outra crise, a hídrica. Classificada como a pior em mais de 90 anos, a falta de chuvas, ligada às mudanças climáticas, levou os reservatórios de usinas hidrelétricas a níveis muito baixos.

Principal fonte de energia na matriz do país, a baixa produção das hidrelétricas precisou ser compensada pelo acionamento das usinas termelétricas, que operam principalmente com gás natural. Por terem um custo de operação maior, as contas de energia dispararam no país, com uma nova bandeira tarifária e incentivos à economia de energia.

A crise ocorre exatamente no momento em que o país começa o processo de recuperação e reabertura da economia após a pandemia. Esse contexto resulta em uma alta no consumo de energia, o que piora ainda mais a situação.

Na Europa, o gás

A crise energética no continente europeu tem outro vilão: o gás natural. Componente importante das matrizes energéticas no continente, além de ser a fonte de aquecimento de residências, o preço da commodity disparou nos últimos meses.

O motivo é a retomada da economia com o avanço da vacinação contra a Covid-19. Conforme os negócios reabrem e as pessoas saem mais de casa, aumenta a demanda por energia, incluindo das indústrias, que passaram a produzir mais.

Aqui vale a lei tradicional do mercado: se há mais demanda, e a oferta não se altera, os preços sobem. Tendo que pagar mais pelo gás, as altas acabam se refletindo nas contas de luz, que devem subir pelo continente.

De acordo com o Independent Commodity Intelligence Services, entre o início de agosto e o meio de setembro o gás ficou 119% mais caro na Alemanha. Na França, o aumento foi de 149%.

O cenário europeu piorou ainda mais já que a produção de energia no continente via fontes eólicas ficou abaixo do esperado, em especial na região do Mar do Norte, o que demanda uma complementação, via gás natural.

A situação ainda deve piorar nos próximos meses, com a chegada do inverno. As baixas temperaturas aumentarão a demanda por gás natural para uso em sistemas de aquecimento.

A crise vai além da União Europeia. O Reino Unido também tem enfrentado uma alta nos preços do gás natural, refletindo aumento nas contas de luz. O país acabou sendo prejudicado pelo Brexit, já que também saiu do mercado comum europeu, em que os preços do gás são menores.

Para completar, o Reino Unido também enfrenta dificuldade em distribuir combustíveis, com falta de motoristas de caminhão. Diversos postos viram suas bombas secaram, e o governo precisou usar o exército para garantir a distribuição.

Na China, o carvão

Já a segunda maior economia do mundo tem outro “vilão” em sua crise energética: o carvão. Principal componente da sua matriz energética, a China tem tentado se tornar mais verde, com leis para diminuir a emissões de gases de efeito estufa e reduzir o uso do carvão, substituindo o minério principalmente pelo gás natural e reduzindo importação e mineração.

Entretanto, as indústrias do país ainda possuem uma dependência grande. No cenário de retomada global, com expansão da demanda, elas precisaram aumentar a produção. Isso significa mais produção de energia, via carvão.

A grande procura esbarrou em uma escassez de suprimento de carvão e com exigências de que as províncias utilizem menos o mineral, o que fez os preços dispararem. Apenas nesta terça-feira (28), os contratos futuros de carvão termal subiram 7%, atingindo um recorde de US$ 204,76 por tonelada.

Com menos carvão, regiões do país já começaram a estabelecer racionamento de energia, e o nordeste do país passou por apagões. Algumas províncias já pedem para que o governo aumente as importações do mineral, de modo a evitar novos apagões para indústrias e residências.

O racionamento de energia pode criar dores de cabeça para a cadeia de suprimentos de tecnologia. Nesta semana, empresas responsáveis por fornecer chips para a Apple a Tesla informaram que suspenderam a produção em algumas fábricas devido às restrições de uso de energia.

Os apagões e racionamentos também reduziriam a produção industrial, o que deve afetar as cadeias de fornecimento de diversos produtos.

Se persistir, o cenário deve ter um impacto global. As previsões para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) da China já começaram a ser reduzidas.

O contexto por trás das crises

Virgina Parente, professora do IEE-USP, afirma que a atual crise energética no Brasil está ligada à seca e as mudanças climáticas, enquanto as crises na Europa e China envolvem questões de oferta e demanda.

“O carvão é o combustível mais usado no mundo para gerar energia elétrica, e está atingindo recordes de preço por algumas razões. O evento La Niña no Pacífico aumentou a quantidade de chuvas e causou inundações em minas de carvão em países produtores na Ásia, em especial na Indonésia”, disse Parente.

“Outros produtores como Colômbia e África do Sul também estão com problemas na produção devido à pandemia e problemas de infraestrutura. A Austrália, outro importante produtor, está com restrição do ritmo de produção devido aos acordos climáticos, e a China parou de importar carvão de lá”, afirmou.

Segundo a professora, essa limitação do suprimento faz com que as plantas de gás estejam sendo extremamente demandadas. “Na Europa, o maior fornecedor de gás é a Rússia, mas ela está sob sanções dos Estados Unidos, então não consegue aumentar o suprimento de gás igual antes”.

“É uma questão de curto prazo. Acho que a tendência de longo prazo é de acomodação, de a La Niña ir embora, de outras negociações na Europa para aumentar a oferta por outros fornecedores e de consumo menor de energia. Mas a Europa está ingressando no inverno, onde a demanda por energia sobe muito para calefação, isso inclui também Estados Unidos, Canadá e Japão, então vai ter pressão de demanda e preço da energia subindo”, diz.

A professora afirma que esse choque de preços pode chegar no Brasil, mas com defasagem e em uma intensidade menor, já que aqui os preços do gás dependem também dos preços do petróleo.

Lavinia Hollanda, diretora-executiva da Escopo Energia, diz que os efeitos da crise devem ser mais intensos pensando na China, que tem sido bastante afetada pela falta de carvão, o que pode levar a uma falta de produtos e efeitos nas cadeias mundiais. Se a economia do país desacelerar, os efeitos negativos teriam um nível global.

“Esse cenário deve ser de curto prazo, mas sempre tem efeitos que perduram a longo prazo, mas é difícil projetar. De toda forma, a emergência climática vai acontecer, mas contamos com inovações tecnológicas para ajudar o processo”, diz Hollanda.

*Sob supervisão de Thâmara Kaoru

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