O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, confirmou em seu depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (11) que houve uma reunião no Palácio do Planalto, em 2020, para discutir a mudança na bula da cloroquina.
A reunião já havia sido mencionada no depoimento do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, na semana passada. Mandetta disse que viu em uma reunião no Palácio do Planalto, no ano passado, uma minuta de decreto presidencial para mudar a bula da cloroquina e incluir que o remédio poderia ser usado no tratamento de Covid.
Mandetta disse ainda que, na ocasião, Barra Torres rechaçou a proposta. O presidente da Anvisa confirmou também essa parte do relato.
A cloroquina, de acordo com estudos científicos, não tem eficácia para tratar a Covid. Mesmo assim, o presidente Jair Bolsonaro defende o uso do remédio.
Barra Torres foi questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), sobre quem seria o autor da proposta de alterar a bula.
“Eu não tenho informação de quem era o o autor, quem teve a ideia”, respondeu Barra Torres.
O presidente da Anvisa também foi questionado sobre quem estava na reunião em que foi debatida a minuta do decreto.
De acordo com o presidente da Anvisa, Yamaguchi defendeu a proposta. Ele admitiu que teve uma reação “um pouco deselegante” ao rejeitar a ideia.
Ele afirmou que a reunião terminou logo depois desse momento.
Cloroquina
O presidente da Anvisa disse ainda que estudos feitos em todo mundo, “até o momento”, apontam que a cloroquina não deve ser usada contra a Covid.
“Até o momento as informações vão contra possibilidade de uso na Covid-19”, afirmou. Ele disse ainda que é contra o uso da cloroquina no chamado tratamento precoce, defendido por Bolsonaro.
Questionado pelo relator se incluiria a cloroquina entre os medicamentos do chamado tratamento precoce, como defende Bolsonaro, Barra Torres disse que não.
“A minha posição sobre o tratamento precoce da doença não contempla essa medicação, por exemplo, não contempla. E contempla, sim, a testagem e o diagnóstico precoce, obviamente. Observação de todos os sintomas que a pessoa pode ter e tratá-los, combatê-los o quanto antes”, completou Barra Torres.
Vacinas
Um dos principais temas tratados no depoimento de Barra Torres foi a recusa, pela Anvisa, da liberação da vacina russa Sputnik V.
Barra Torres disse que não houve preciosismo nem no indeferimento do pedido da Sputnik V nem da vacina indiana Covaxin.
Barra Torres afirmou que as duas vacinas não apresentaram os requisitos necessários para obter o sinal verde da Anvisa. Ele ressaltou que espera que os responsáveis pelos imunizantes apresentem as informações requeridas para resolver as pendências.
O presidente da Anvisa afirmou ainda que a Índia, país de origem da Covaxin, costuma responder rápido sobre pedidos de esclarecimentos de agências reguladoras.
“A Índia tem um tradição de responder rápido a esses apontamentos, e o Ministério da Saúde tem feito reuniões com a Anvisa a respeito desse novo pedido de importção, para que essas discrepâncias sejam sanadas. E acreditamos que nos próximos dias pode haver novo pedido por parte do ministério”, disse Barra Torres.
Sobre a Sputnik V, o presidente da Anvisa disse que a rejeição inicial para o pedido de aprovação não deve gerar uma desconfiança na população sobre o imunizante.
“É muito importante que se entenda que essa negativa de autorização excepcional de importação não deve somar a essa marca Sputnik V nenhum pensamento negativo. Essa é uma marca do processo. O que conclamo é que, tão logo essa situação seja, e esperamos que seja resolvida, que não se credite a essa vacina nenhuma característica ruim”, afirmou.
Entre outros pontos, a agência argumentou que não recebeu relatório técnico capaz de comprovar que a Sputnik V atende a padrões de qualidade. Também pontuou que o adenovírus usado para carregar o material genético do coronavírus é capaz de se reproduzir e pode causar doenças.
Após a negativa da Anvisa, o Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF, na sigla em inglês), que comercializa a Sputnik V, produzida pelo laboratório russo Gamaleya, afirmou que os comentários da agência sobre a vacina estavam “incorretos” e que a decisão de adiar a aprovação do imunizante poderia ter “motivação política”.
À CPI, Barra Torres revelou que em um documento com explicações sobre a Sputnik V, o fundo russo fez críticas pessoais a integrantes da Anvisa. Barra Torres afirmou que essa atitude é inédita.
“Os senhores poderão, ao analisar o documento, constatar que há uma parte inicial dele em que, de maneira surpreendente, não estamos acostumados a ver isso, o fundo soberano tece críticas pessoais a integrantes da Anvisa, o que no ambiente regulatório, isso é inédito”, disse.