Após interesse chinês pela Avibras, chegou a hora de o Brasil abrir o olho para as sanções?

Foto: Lucas Vinícius Pontes from Pexels

O Brasil recebeu alertas de Washington após considerar a venda de 49% da Avibras, empresa do ramo de Defesa, à chinesa Norinco, que está sob sanções norte-americanas. Depois desse puxão de orelha, será que chegou a hora de o Brasil levar a sério a ameaça das sanções ocidentais?

Por muito tempo acreditou-se que o Brasil, com sua postura diplomática, dificilmente seria alvo de sanções econômicas por parte dos Estados Unidos e seus aliados europeus. A notícia de possíveis sanções a uma empresa brasileira chega, então, como um balde de água fria para as autoridades brasileiras, que veem agora que o país pode estar na mira do Ocidente.

Esta não é nem a primeira vez que a nação brasileira foi afetada por sanções ocidentais a outros países, afirma Marcos Cordeiro Pires, professor de relações internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

A Embraer, em 2006, foi proibida pelos Estados Unidos de vender seu modelo Super Tucano à Venezuela, na época governada por Hugo Chávez.

Um caso mais recente foi quando, em 2019, dois navios de grãos iranianos ficaram presos por cinco semanas no porto de Paranaguá, no estado do Paraná, “porque a Petrobras se recusava a abastecê-los por receio de burlar sanções impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos”, detalha.

Outro “desconforto” internacional, ainda mais recente, ocorreu neste ano, quando houve dúvidas sobre se o reabastecimento do avião do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, infringiria as sanções anti-Rússia de Washington. No final, Lavrov, que estava de visita ao Brasil, teve de fazer parte do trajeto em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB).

No entanto a ameaça estadunidense de sancionar uma empresa brasileira, como a Avibras, é inédita e, segundo Pires, “grave”. “Existe uma longa aliança das forças militares brasileiras com o Pentágono, além de o país estar sob a área de responsabilidade do Comando Sul [dos Estados Unidos, USSOUTHCOM]”, explica.

“Nesse aspecto, há um veto explícito à presença de ‘potências extrarregionais’ no sistema de defesa dos países latino-americanos.”

BRICS deve se posicionar contra as sanções

Em junho, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, pediu que os países parceiros do BRICS tivessem um papel mais ativo contra as sanções. Hoje vários países do BRICS enfrentam algum tipo de sanção por parte dos Estados Unidos, mas nenhum tanto quanto a Rússia, a China e o Irã.

Marina Moreno Farias, mestranda em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista residente no think tank Observa China e integrante do Laboratório de Estudos em Economia Política da China (LabChina), explica que, diferentemente de outras armas militares, “a bomba dólar não pode ser replicada por nenhum outro país”.

“Por mais que outros países possam aplicar sanções, a maneira pela qual as sanções norte-americanas são aplicadas é singular.”

Segundo Farias, isso se deve ao papel que o dólar americano tem na economia mundial, atuando como a unidade que denomina os pagamentos e os contratos, “as obrigações financeiras do mundo”.

Utilizando o dólar como sua principal arma no mundo atual, os EUA conseguem “efetivamente fechar a comunicação econômica e financeira de outros países e estrangular essas economias. Essa é a sanção financeira, realizada geralmente através do sistema SWIFT”.

O SWIFT, explica a pesquisadora, “não é um mecanismo de pagamentos”, mas sim uma plataforma que padroniza as comunicações interbancárias ao redor do mundo. Logo, quando um país tem seu acesso negado ao sistema, ele “terá que lidar com a impossibilidade de comunicação entre os seus bancos comerciais e os bancos de outros países”.

Entre as principais consequências disso estão o isolamento comercial e o congelamento das reservas internacionais dos bancos centrais, “que incluem títulos do Tesouro e depósitos bancários”.

“O país que não puder acessar essas reservas vai ter um estrangulamento dessa economia, uma depreciação da moeda e vai […] mergulhar em uma crise econômica profunda.”

Foi o caso de Cuba e do Irã, que tiveram suas economias drenadas tanto por sanções comerciais, como tarifas e proibições de venda e compra de mercadorias, quanto financeiras, com sua exclusão de mecanismos como o SWIFT e sua desconexão do resto da economia mundial.

No entanto, aponta Farias, isso não aconteceu com a Rússia nem com a China. “Inclusive a Rússia é uma economia que cresce mais do que a Alemanha“, destaca.

A verdade é que a envergadura de ambas as economias permite contornar as sanções ocidentais, que são muito mais amplas no caso da Rússia, que viu bloqueios comerciais, sanções a indivíduos e o congelamento de suas reservas, enquanto na China trata-se de restrições a empresas específicas para que o país não desenvolva determinadas tecnologias.

“As sanções econômicas só funcionam se forem impostas a um país economicamente mais frágil, que não tem caminhos, iniciativas e ferramentas próprias ou conjuntas fora do âmbito do dólar. É o que a Rússia tem nos mostrado.”

Para Marcos Cordeiro Pires, no entanto, dentro do âmbito do BRICS há dois Estados mais vulneráveis a possíveis sanções norte-americanas, o Brasil e a África do Sul, “pois estes não possuem capacidades estratégicas e estão fortemente vinculados, econômica, política e culturalmente, aos estadunidenses”.

“Nesse contexto, como o Brasil não pode mudar sua posição geográfica, é preciso que nossos dirigentes tenham uma visão estratégica pragmática para lutar contra a polarização, que não interessa à população brasileira.”

“No entanto”, diz o professor, “as sanções podem muito, mas não podem tudo“.

“A utilização do dólar como arma está forçando a criação de um sistema monetário alternativo.”

E até mesmo o Irã, ressalta, “está conseguindo resistir às sanções ocidentais por um maior comércio com os países da Ásia, como China, Índia e Rússia”.

Há, então, “uma ‘falência’ da sanção enquanto arma econômica”, e mesmo não dando os resultados desejados, “continua sendo implementada”, sublinha Farias.

Nesse sentido, diagnostica a pesquisadora, é justamente a constante ameaça norte-americana de sanções financeiras que “dão um grande empurrão para que os outros países pensem em formas alternativas de lidar com suas economias”.

“Para que outros países, como o Brasil, comecem a falar em desdolarização, porque se pode criar, impor sanções a países desta magnitude, por que não fariam comigo?”, questionou.

Como grande exemplo desta nova ordem multipolar “anti-imperialista”, ambos os analistas apontam para a ascensão do BRICS, que tem conseguido mais e mais uma proeminência no cenário global.

“Isso cria um protagonismo maior para o grupo, que se coloca como alternativa àquilo que temos estabelecido por tantos anos, que é basicamente a unipolaridade americana, com a Europa sendo basicamente só uma apoiadora dos Estados Unidos.”

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