A poucos meses das eleições nos Estados Unidos, o ex-presidente e atual candidato Donald Trump voltou ao centro do debate internacional ao defender uma tarifa global entre 15% e 20% sobre todos os produtos importados pelos EUA. O anúncio, feito nesta segunda-feira (28), reforça a guinada protecionista da campanha republicana e aumenta as tensões comerciais com China, Brasil e outras economias emergentes.
A proposta, que ainda carece de definição oficial no Congresso americano, representa uma escalada em relação às medidas já anunciadas por Trump anteriormente — como a tarifa de 50% sobre exportações brasileiras e as sanções comerciais ampliadas contra Pequim. Para analistas, trata-se de um movimento político com forte apelo interno, mas com potenciais impactos globais devastadores.
“A ideia de uma tarifa global é uma declaração de guerra ao multilateralismo”, disse um diplomata brasileiro à Agência Brasil China sob condição de anonimato. “O Brasil, que já foi atingido pelo tarifaço, pode ser diretamente afetado por mais essa camada de restrição, num momento em que o país tenta reaquecer sua economia e expandir mercados.”
China no centro da ofensiva
A China é o principal alvo da nova retórica trumpista. Além das tarifas, o republicano voltou a acusar o país asiático de práticas comerciais “injustas” e exigiu “abertura total” do mercado chinês às empresas norte-americanas. Para Pequim, as falas de Trump reforçam a estratégia de contenção que já marcou sua presidência anterior — e que levou à chamada “guerra comercial” entre as duas maiores potências do planeta.
Nos bastidores, autoridades chinesas têm se articulado para fortalecer o comércio com países do Sul Global, especialmente membros do BRICS, como o Brasil. O objetivo: diversificar fluxos comerciais e construir alternativas frente ao crescente protecionismo ocidental. Desde 2023, China e Brasil aprofundaram acordos bilaterais em áreas como energia, tecnologia, agroindústria e infraestrutura, com ênfase em moedas locais e pagamentos diretos, contornando o dólar.
E o Brasil no meio do fogo cruzado
O Brasil vive um momento de encruzilhada. Embora tenha nos Estados Unidos um parceiro histórico, é a China quem lidera o comércio bilateral com o país desde 2009, sendo destino de mais de US$ 94 bilhões em exportações brasileiras em 2024 — sobretudo de soja, carnes, minério de ferro e celulose. A retórica de Trump, no entanto, dificulta a manutenção de uma relação fluida com Washington, especialmente quando os ataques ganham tom político, como no caso do Pix ou da condenação de Jair Bolsonaro.
Sem definição clara por parte do governo Biden sobre a extensão ou revogação das tarifas, o Brasil começa a se movimentar. O presidente Lula anunciou recentemente um programa nacional de estímulo às exportações, com foco em pequenas e médias empresas, e reafirmou a importância de fortalecer o BRICS e ampliar relações comerciais com outros continentes, como África, Ásia e América Latina.
“Queremos relações com todos, mas não seremos reféns de nenhum país”, declarou Lula durante evento em Brasília. A fala sintetiza o momento: o Brasil busca autonomia e equilíbrio em um cenário de disputa hegemônica, tentando evitar o isolamento e, ao mesmo tempo, se posicionando como ator relevante no Sul Global.
Multipolaridade em construção
Enquanto Trump ameaça com tarifas, a China aposta em alianças e construção de alternativas multilaterais. A proposta de um sistema de pagamentos próprio entre países dos BRICS e o avanço de moedas digitais soberanas são parte dessa nova arquitetura internacional em formação — uma que o Brasil parece cada vez mais disposto a integrar.
Num mundo onde o comércio se torna ferramenta geopolítica, as escolhas do Brasil nos próximos meses serão decisivas. E, ao que tudo indica, em vez de se alinhar cegamente a um dos lados, o país parece optar por um caminho próprio — onde pragmatismo, diplomacia e visão de longo prazo valem mais que promessas eleitorais feitas ao som de tarifas.