Secretária do Tesouro dos EUA chega à China para estabilizar laços entre as superpotências

Janet Yellen faz viagem de seis dias ao país asiático; na bagagem, pedido de ajuda para resolver crise da dívida nacional

(Foto: CMG)

A secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, iniciou uma visita de seis dias à China nesta quinta-feira (4) ao desembarcar em Guangzhou, capital da província de Guangdong, no sul do país. Ela permanece em solo chinês até a próxima terça-feira (9).

Nesta sexta-feira (5) ela se reuniu com He Lifeng, integrante do Bureau Político do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) e vice-premiê do Conselho de Estado. Os dois discutiram profundamente questões-chave relacionadas aos campos global, econômico e financeiro da China e dos EUA.

He afirmou que a principal tarefa desta reunião era implementar o importante consenso alcançado pelos dois chefes de Estado em seus encontros e diálogos por telefone, e buscar fornecer respostas apropriadas às preocupações-chave nas relações econômicas China-EUA.

Yellen tem feito registros da viagem em sua conta no X (antigo Twitter), inclusive do encontro com He.

“Abri reuniões com o vice-primeiro-ministro He Lifeng para conversas francas e substantivas sobre a nossa relação econômica bilateral. É crucial que as duas maiores economias do mundo procurem progredir nos desafios globais e comuniquem estreitamente sobre áreas de preocupação”, escreveu.

Ela também se reuniu com o governador de Guangdong, Wang Weizhong, com quem conversou sobre a história da província como janela da China para a economia mundial e um centro de reforma econômica, e sobre os objetivos dos dois países de manterem uma relação econômica saudável que beneficie ambas as partes.

Yellen também teve discussões em mesa redonda com especialistas econômicos e líderes empresariais dos EUA e de alguns outros países da Europa e do Japão para discutir a situação econômica do mercado chinês, bem como oportunidades e desafios ligados à economia chinesa.

A secretária participou ainda de um evento com principais representantes da comunidade empresarial estadunidense na China, organizado pela AmCham China, e fez comentários sobre o relacionamento econômico bilateral.

De acordo com a agenda divulgada para os próximos dias, Yellen vai ter reuniões com o premier chinês, Li Qiang, e altos funcionários chineses responsáveis por diferentes setores econômicos e financeiros da China.

Essa é a segunda visita de Yellen à potência asiática em menos de um ano. Em julho de 2023 ela passou quatro dias em Pequim. 

A secretária é considerada pragmática e menos beligerante em relação à China do que muitos de seus colegas de alto escalão da administração Joe Biden.

Nesta sexta-feira (5) ela se reuniu com especialistas e afirmou que buscar ajuda da China para resolver os desafios econômicos dos EUA. Em resposta, os interlocutores de Yellen sugeriram que os funcionários de Washington precisam ajustar sua atitude arrogante e falar gentilmente ao pedir ajuda.

Mas para que esse impulso seja mantido, disseram os especialistas, o governo dos EUA precisa ter em mente que sua miopia de longa data e obsessão com uma mentalidade de Guerra Fria representam uma grave ameaça para qualquer progresso na estabilização dos laços bilaterais sino-estadunidenses.

Dívida nacional dos EUA no topo da agenda

O Escritório de Orçamento do Congresso dos EUA alertou em suas projeções mais recentes que a dívida do governo federal dos EUA está em um caminho de 97% PIB no ano passado para 116 % até 2034, o que é ainda maior do que na Segunda Guerra Mundial. A perspectiva real provavelmente é pior, relatou a Bloomberg.

CNBC informou em 1º de março que a carga da dívida dos EUA está aumentando mais rapidamente nos últimos meses, cerca de US$ 1 trilhão a cada 100 dias.

Nesse cenário é possível concluir que o problema da dívida nacional de Washington pode estar no topo da agenda de Yellen, que pode pedir ajuda à China no campo da política monetária.

Essa foi a avaliação, por exemplo, de Li Yong, pesquisador sênior da Associação Chinesa de Comércio Internacional, em declaração ao jornal Global Times.

No mesmo caminho, Li Yong, um pesquisador sênior da Associação Chinesa de Comércio Internacional, avalia que a administração Biden busca maior estabilização das relações entre China e EUA no ano da eleição presidencial.

“Espera-se que os dois lados discutam sobre a coordenação da política macroeconômica e do comércio, e isso não é apenas importante para a China e os EUA, mas também significativo para o mundo”, comentou ao Global Times.

Comunicado do Departamento do Tesouro dos EUA

De acordo com Departamento do Tesouro dos EUA, durante a viagem à China, Yellen vai defender os trabalhadores e empresas estadunidenses para garantir que sejam tratados de forma justa e vai falar sobre as consequências econômicas globais do “excesso de capacidade industrial da China.”

Ela também vai trabalhar para expandir a cooperação bilateral no combate às finanças ilícitas para impulsionar progressos importantes nos esforços compartilhados contra atividades criminosas como tráfico de drogas e fraude.

“Na China, a secretária também se envolverá com seus interlocutores em trabalhos críticos que beneficiam tanto os Estados Unidos quanto a China, bem como o mundo, incluindo o fortalecimento da estabilidade financeira, o enfrentamento das mudanças climáticas e a resolução do endividamento entre as nações em desenvolvimento”, diz comunicado.

Excesso de capacidade industrial da China

A visita de Yellen coincide com a retórica exagerada de Washington sobre o suposto “excesso de capacidade chinesa” no setor de energia limpa, especialmente em veículos elétricos, baterias de lítio e células solares.

Ela também se tornou alvo de críticas online por internautas estadunidenses após afirmar que o excesso de capacidade da China “distorce os preços globais” e “prejudica empresas e trabalhadores americanos”.

Sobre esse “excesso de capacidade industrial da China” citado por Yellen, Hugo Albuquerque, publisher da Jacobin Brasil, editor da Autonomia Literária, mestre em direito pela PUC-SP, advogado e diretor do Instituto Humanidade, Direitos e Democracia (IHUDD) fez uma série de postagens no X no qual classifica o discurso da secretária “uma farsa e um erro”.

Albuquerque escreve que, primeiramente, o parque industrial chinês aumentou com a chegada de indústrias dos EUA, de forma estimulada por Washington.

“A questão é que a China fez do limão uma limonada. O socialismo de mercado chinês, ao contrário do capitalismo de Estado das ditaduras latino-americanas ou asiáticas, foi capaz de fazer reservar e realocar recursos para criar tecnologias próprias”, explica.

O advogado que também é analista geopolítico ressalta ainda que os EUA não têm como produzir os bens industriais que precisa na quantidade, qualidade, valor e tempo. “Ainda que realocassem as plantas industriais para países ‘amigos’, não há certeza que se supriria isso: o modelo de regime que os EUA estimulam não lhes satisfaz”.

“Isso só mudaria se os EUA alterassem seus padrões de consumo, aumentando junto a eficiência industrial. A China pode diminuir sua produção industrial aumentando o consumo e vivendo melhor, mas os EUA depende da China no curto e médio prazo, mesmo se modificar padrões”, provoca.

Albuquerque observa ainda que quanto mais os EUA se desacloparam da China, mais inflação ele passaram a enfrentar. “Embora parte dessa desaclopagem passe simplesmente por comprar produtos chineses por meio de intermediários (tipo o Vietnã) – e ficaram mais sensíveis aos soluços do petróleo”, pondera.

“Romper essa relação com a China era algo possível há décadas, mas não sei se hoje é. E mesmo que fosse há anos, isso exigiria coisas que os EUA nunca quiseram fazer, que era investir mais na indústria, consumir menos bugigangas, tributar mais etc.”, avalia.

Ele comenta ainda que ideias protecionistas nos EUA, para frear a China, sem uma imensa lição de casa que envolva redesenhar a produção, consumo, arrecadação e investimento, só vai dar errado e ainda obrigar os chineses a se fortalecerem, voltando-os mais para o mercado interno. “Sem os superávits comerciais da China, financiar o déficit público americano não será nem possível”, finaliza.

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