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quinta-feira - 21 novembro 2024 - 16:08

A China não vê o Brasil só por um mandato de quatro anos

Para o advogado à frente do braço chinês do Lide — Grupo de Líderes Empresariais, a relação do Brasil com o gigante asiático passa por um “desgaste momentâneo”. E o governo já percebeu que precisa mudar o tom.

A possível participação da tecnologia desenvolvida pela chinesa Huawei no leilão brasileiro da telefonia 5G, previsto para este ano, deverá entrar na mesa de discussões com o governo chinês sobre a celeridade na liberação de insumos para produção da Coronavac e da vacina de Oxford no Brasil. A análise é do advogado José Ricardo dos Santos Luz Júnior, CEO do Lide China. Durante o mandato de Donald Trump, o governo dos Estados Unidos fez grande pressão para que o 5G dos chineses fosse barrado no Brasil. Com a necessidade da matéria-prima para imunizantes, o governo brasileiro precisará fazer o que ainda não fez: negociar com os asiáticos. “Pode estar em jogo a participação da Huawei. A China é importante não só no âmbito de importação e exportação, mas no intercâmbio de tecnologia”, afirmou Luz Júnior.

Para isso, o Brasil precisa emitir sinais de que adotará uma postura mais pragmática e menos ideológica com seu principal parceiro comercial. Sem ataques como os que foram feitos pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. “Os chineses não estão exigindo retratação, mas certamente eles gostariam que o Brasil parasse com esses comentários desrespeitosos para um resgate da relação de confiança”, afirmou.

DINHEIRO – A dificuldade que o Brasil teve de obter insumos para produção de vacinas contra a Covid-19 reflete o fracasso da diplomacia brasileira em relação à China?
JOSÉ RICARDO DOS SANTOS LUZ JÚNIOR — Historicamente, a relação entre Brasil e China é de amizade, profícua e duradoura. A China não vê o Brasil só por um mandato de quatro anos. Eles enxergam a longo prazo. Tanto que um dos pilares da China é o planejamento. Estamos na fase de discussão de um plano decenal 2022-2031 entre os países, que é elaborado pela Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Esse é um mecanismo político, que no caso do Brasil é dirigido pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Nesse sentido, o Brasil está bem representado.

Mas existiram desavenças…
Tivemos, sim, por causa da ideologia. É uma relação muito boa, mas que precisa ser nutrida. Quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro e o então ministro da Educação Abraham Weintraub causaram situações de desconforto, vimos a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, falar em construir pontes, tamanho era a preocupação do empresariado do agronegócio brasileiro. E eu acredito que o Mourão possa ser o interlocutor para solucionar desgastes como o que ocorreu com a China. Hoje, ele é a pessoa mais adequada para fazer essa aproximação.

Essas desavenças não ficam mais graves quando a provocação parte do filho do presidente da República?
Evidentemente que é inadequada a postura. Porque estamos falando do nosso maior parceiro comercial. Ele tem uma figura representativa institucional muito forte, como deputado e como filho do presidente. A China é importante não só no âmbito de importação e exportação, mas no intercâmbio de tecnologia.

Falando nisso, a questão da participação da Huawei no leilão do 5G no Brasil pode voltar à mesa como forma de reciprocidade pela liberação dos insumos das vacinas?
Na questão do 5G, por exemplo, há três grandes players no mundo que fornecem tecnologia. A finlandesa Nokia, a sueca Ericsson e a chinesa Huawei. Diversos países fizeram críticas à Huawei, o que fez surgir especulações sobre o veto da empresa no leilão que será realizado no Brasil. Eu entendo que esse assunto pode ser abordado entre as autoridades. A China já está começando a demonstrar sua insatisfação pelas recorrentes manifestações na esfera federal.

E o que eles querem, além de colocar a Huawei na discussão do 5G?
Os chineses não estão exigindo retratação, mas certamente eles gostariam que o Brasil parasse com esses comentários desrespeitosos para resgatar a relação de confiança. Entendo que a China pode, sim, abordar a questão do 5G nesse processo de liberação dos insumos. Pode estar em jogo a participação da Huawei no leilão.

A China pedirá que o Brasil baixe o tom?
O embaixador chinês Yan Wanming já disse que não há condições de negociar com o chanceler brasileiro Ernesto Araújo. A relação Brasil-China passa por um desgaste, mas entendo que seja momentâneo. O governo brasileiro mostrou, na última semana, que a condução da relação estava aquém do esperado. Isso mostra que o Brasil percebeu que precisa melhorar.

O governo federal criticou reuniões de autoridades como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, com representantes chineses. Mas isso não parte da própria ausência de porta-voz oficial?
Chinês é muito protocolar e sempre se manifesta por meio de um porta-voz. Em que pese essa boa vontade de algumas autoridades em resolver o impasse, temos já definido o interlocutor, que não só conhece a China, como preside o fórum de discussão com o país, que é o vice-presidente Hamilton Mourão. Ele está pronto para essa movimentação política, até diante do desgaste do ministro das Relações Exteriores, que chegou a usar a expressão “comunavírus”.

Onde o Brasil pode avançar em termos de exportação para a China?
A China é a maior parceira comercial do Brasil desde 2009. A diferença na balança comercial da China para o segundo lugar, os Estados Unidos, é da ordem de US$ 40 bilhões. A pauta Brasil-EUA gira em torno de US$ 60 bilhões e a Brasil-China, foi de US$ 101,7 bilhões em 2020, sendo o primeiro país da América Latina a atingir essa cifra. O Brasil exportou US$ 67,7 bilhões e importou US$ 34 bilhões da China.

Apesar do volume ser expressivo, a pauta de exportações do Brasil é restrita. Isso pode mudar?
É certo que temos de melhorar nossa pauta de exportação para a China. Exportamos quatro pilares, que são minério de ferro, soja, petróleo e celulose. E importamos produtos com maior valor agregado, como maquinário. A Cosban discute projetos de interesse para os dois países, como a Ferrovia Bioceânica, entre Brasil e Peru, para desembocar no Oceano Pacífico, reduzindo pelo menos dez dias na logística e aumentando nossa competitividade com o minério de ferro australiano. Mas o custo desse projeto é de US$ 10 bilhões e quem tem capacidade de financiamento e know-how de infraestrutura é a China. Isso sem falar no grande mercado consumidor chinês, que o Brasil pode aproveitar muito mais. O produto brasileiro é muito bem aceito pelo chinês, por causa da qualidade.

Qual o papel do Lide China nesse cenário?
O Lide China é uma plataforma que, além de consultorias e eventos, também faz missões. As duas últimas missões à China foram em outubro de 2019, quando levamos autoridades do governo de São Paulo e empresários, e a outra em novembro de 2019, com uma delegação de executivos e grandes clientes do Banco do Brasil. Ambas tiveram como objetivo mostrar a China do futuro, das inovações e soluções tecnológicas. Nossa principal função é unir o empresariado brasileiro e chinês para fazer negócios, com respaldo dos dois governos. O Lide China foi criado em 2013 e estou à frente do grupo desde 2017. Desde então, foram cinco missões realizadas.

O governador João Doria, fundador do Lide, poderia contribuir na interlocução com o governo chinês, por meio do escritório da InvestSP na China?
Tudo é uma questão de articulação política. Houve um desgaste grande no Brasil em relação à política pública de saúde e talvez pudéssemos ter avançado infinitamente mais se houvesse um diálogo harmônico entre as esferas federal e estadual. O governo brasileiro poderia ter investido mais no Instituto Butantan, e poderíamos estar fornecendo vacinas para a América Latina. Mas, diante do desgaste, acho difícil isso acontecer. Doria mostrou planejamento. O governo federal, não. O escritório da InvestSP pode contribuir, já que foi estabelecida uma relação de confiança entre o Butantan e a Sinovac. Mas isso depende do interesse da União.

O que muda na relação Brasil e China com a posse de Joe Biden nos Estados Unidos?
O presidente Joe Biden é um excelente negociador e já demonstrou que vai resgatar diversas relações e acordos internacionais. A relação entre os dois países não vai ser fácil, mas vai melhorar. O resgate do multilateralismo é bom para todos os países, mas especificamente o agronegócio brasileiro pode ser atingido, principalmente a soja, e perder participação em relação a produtos americanos. De toda forma, o Brasil tem boas relações comerciais com a China e não pode olhar para o competidor.
Por isso precisamos planejar melhor e nutrir a relação com a comunidade chinesa.

Biden trouxe em seu discurso de posse o resgate da democracia e esse é um tema muito sensível na China, pelo regime autoritário e perseguição a quem discorda do governo. Como lidar com isso?
A relação entre Brasil e China sempre foi baseada na não intervenção de assuntos domésticos. Em todos os acordos comerciais entre os dois, há essas referências. Independentemente da ideologia, o Brasil tem de lidar com a China e tem de lidar com os Estados Unidos.

fonte: Isto É – Dinheiro

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