O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a mirar no BRICS — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — ao anunciar neste domingo (6) que pretende aplicar uma tarifa adicional de 10% a qualquer país que apoiar as políticas do grupo, classificadas por ele como “antiamericanas”. A medida acende mais um alerta para a crescente disputa entre potências tradicionais e emergentes sobre o futuro da economia global.
A declaração acontece justamente durante a cúpula anual do BRICS, realizada neste ano no Rio de Janeiro, onde os líderes do bloco discutem estratégias para aumentar a cooperação entre países em desenvolvimento e reduzir a dependência do dólar americano em transações internacionais — tema que incomoda profundamente Washington.
Medo do fim da hegemonia do dólar
No centro do desconforto norte-americano está o plano do BRICS de criar alternativas ao dólar nas trocas comerciais, como o uso de moedas locais e, futuramente, uma moeda comum do bloco. Embora ainda em estágios iniciais, a iniciativa representa uma ameaça simbólica — e potencialmente prática — ao sistema monetário que garante aos EUA vantagens como a emissão ilimitada de dívida em sua própria moeda.
“Trump não teme o BRICS pelo que ele é hoje, mas pelo que pode vir a ser”, resume o economista Gustavo Machado, professor da UFRJ. “Uma união entre Brasil, China e Índia com uma moeda forte e sistemas financeiros integrados pode redesenhar as relações de poder global.”
Brasil no centro da disputa
Como presidente do BRICS em 2025, o Brasil tem papel estratégico no debate sobre a nova arquitetura financeira. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido abertamente o uso de moedas locais no comércio entre países do Sul Global, como forma de estimular a soberania econômica e proteger economias emergentes de choques cambiais.
Na prática, isso significaria que empresas brasileiras poderiam exportar para a China ou para a África do Sul usando reais e yuans, sem precisar converter dólares — reduzindo custos e vulnerabilidades. Pequim, por sua vez, tem ampliado acordos bilaterais semelhantes em outras regiões, como o Sudeste Asiático e o Oriente Médio.
Tarifas como retaliação geopolítica
A ameaça de tarifas adicionais por parte de Trump se soma a um arsenal de medidas protecionistas que marcaram seu primeiro mandato e, agora, retornam com força em sua nova campanha à presidência. Segundo a Casa Branca, cartas já foram enviadas a dezenas de países informando sobre a elevação nas taxas de importação caso apoiem formalmente o BRICS ou suas medidas alternativas ao dólar.
Para o Brasil, a retaliação tarifária afetaria diretamente setores como o agronegócio e a indústria de base, que têm nos EUA um de seus principais mercados. Ao mesmo tempo, a China continua sendo o maior parceiro comercial brasileiro — respondendo por mais de 30% das exportações em 2024 — e já sinalizou interesse em aprofundar os laços estratégicos com o país.
Multipolaridade à vista
Apesar de ainda enfrentar entraves estruturais — como diferenças políticas internas e assimetrias econômicas — o BRICS vem se consolidando como um contraponto ao G7. Com a recente ampliação para o chamado “BRICS+”, o grupo passou a incluir países como Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes, aumentando sua representatividade global.
“A movimentação de Trump é uma tentativa de frear o inevitável: a ascensão de uma ordem mais multipolar, onde países do Sul Global tenham mais voz e autonomia”, avalia Ana Clara Diniz, especialista em relações internacionais da UnB. “Mas o mundo de 2025 é diferente daquele do pós-Guerra Fria. E o BRICS é reflexo disso.”
China observa de perto
A China, principal potência econômica dentro do BRICS, tem atuado como articuladora silenciosa do novo cenário. Pequim vê a desdolarização como estratégia de longo prazo para garantir estabilidade ao seu comércio exterior e ampliar sua influência global. Ao lado do Brasil, tem investido em projetos conjuntos que vão de satélites geoestacionários a corredores ferroviários transcontinentais.
Para os chineses que vivem no exterior, especialmente em países da América Latina e da África, o fortalecimento do BRICS também representa novas oportunidades — desde investimentos em infraestrutura até trocas culturais e científicas.
Um novo capítulo se desenha
O embate entre Trump e o BRICS não é apenas uma disputa comercial, mas um reflexo de mudanças profundas na ordem mundial. Em um lado, a tentativa de manter a hegemonia do dólar e de uma única potência. Do outro, a busca de países como Brasil e China por caminhos mais equilibrados, onde soberania e cooperação caminhem juntas.
O Brasil, posicionado entre essas duas potências, precisará calibrar com habilidade sua política externa — reafirmando parcerias históricas, mas também olhando para o futuro com independência estratégica.