O presidente dos Estados Unidos Donald Trump voltou a sacudir o tabuleiro geopolítico nesta quarta-feira (9), ao anunciar que aplicará uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Em uma carta enviada diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Trump criticou decisões do STF, citou o caso de Jair Bolsonaro e classificou o Brasil como um país “injusto” em relação ao comércio com os EUA.
A medida, que mira setores estratégicos como petróleo, aço e aviação, tem potencial para gerar efeitos imediatos, mesmo antes de sua eventual implementação — criando incertezas nos mercados e pressionando a agenda de relações exteriores do Brasil em ano de presidência do BRICS.
Em paralelo, o gesto de Trump pode abrir espaço para que a China — maior parceira comercial do Brasil — reforce ainda mais seus vínculos com a economia brasileira.
Tarifa como arma política
A carta enviada por Trump, com forte tom político, não surpreende analistas que acompanham sua trajetória. O republicano voltou a criticar o Supremo Tribunal Federal (STF), questionando o processo que julga o ex-presidente Bolsonaro, seu aliado ideológico. Para Trump, o Brasil estaria “perseguindo um líder conservador” e, ao mesmo tempo, se beneficiando de um “comércio desigual com os EUA”.
A retórica agressiva se alinha à estratégia do presidente de usar tarifas como instrumento de pressão — prática comum durante seu primeiro mandato, quando impôs medidas similares contra China, México, União Europeia e até aliados históricos.
Impactos para o Brasil
Segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), os Estados Unidos são o segundo maior destino das exportações brasileiras, atrás apenas da China. Em 2024, o Brasil exportou cerca de US$ 38 bilhões aos EUA, com destaque para produtos como petróleo bruto, aviões da Embraer, minério de ferro e aço semiacabado.
Uma tarifa de 50% sobre esses itens poderia comprometer boa parte dessa corrente de comércio, afetando empresas exportadoras, gerando perdas cambiais e, no limite, impactando empregos.
“É uma sinalização de que o Brasil precisará diversificar ainda mais seus destinos comerciais”, avalia a economista Mariana Costa, especialista em comércio exterior. “E a Ásia, especialmente a China, desponta como um parceiro ainda mais estratégico nesse cenário.”
A vez da China reforçar laços
Enquanto Trump amplia seu discurso protecionista, a China tem aproveitado o vácuo deixado pelos EUA para se posicionar como parceira estável e pragmática do Brasil. Além de acordos recentes nas áreas de infraestrutura, energia e tecnologia, Pequim reforçou seu papel como maior importadora de soja, minério de ferro, carne bovina e petróleo brasileiros.
A tensão com os EUA pode acelerar essa aproximação. Para o Brasil, a diversificação de parcerias é vista como uma maneira de proteger sua economia contra choques externos — e, nesse contexto, a China aparece como aliada central.
“O Brasil não pode se dar ao luxo de depender de um único polo de influência. E a China tem demonstrado disposição em construir uma relação de longo prazo baseada em investimento, infraestrutura e complementaridade comercial”, comenta a professora de relações internacionais da UFRJ, Lúcia Zhang.
BRICS e a agenda global
O anúncio de Trump ocorre num momento simbólico: o Brasil ocupa a presidência do BRICS em 2025 e vem usando essa posição para promover uma agenda de multipolaridade, integração Sul-Sul e soberania econômica.
Diante das novas ameaças vindas de Washington, o Brasil pode aproveitar o fórum do BRICS para consolidar alianças com países que defendem uma ordem internacional menos dependente das potências tradicionais. A China, nesse contexto, já sinalizou apoio ao Brasil em diversos projetos estratégicos — da ferrovia transcontinental à produção de satélites climáticos.
Diplomacia em alerta
No Itamaraty, a leitura é de cautela. Por ora, o governo brasileiro evita comentários diretos sobre a carta de Trump, mas fontes internas indicam que a medida foi vista como “desequilibrada” e de “caráter eleitoral”. A expectativa é de que o presidente Lula trate do tema em reuniões multilaterais, reforçando a defesa do livre comércio e da estabilidade institucional.
“É hora de diplomacia ativa. O Brasil precisa manter canais abertos com todos os atores globais, mas sem abrir mão de sua soberania e de suas instituições democráticas”, resume o embaixador aposentado e analista de política externa, Marco Aurélio Lopes.
Seja como consequência de protecionismo eleitoral ou de rearranjos geopolíticos mais profundos, a declaração de Trump reacende o debate sobre o papel do Brasil no mundo — e, mais uma vez, a China aparece como peça-chave nesse xadrez.