Paraguai revê reconhecimento de Taiwan para comprar vacinas da China e sofre pressão dos EUA

País sul-americano não pode comprar imunizante contra a Covid-19 diretamente de gigante asiático; pandemia põe em xeque acordo de 63 anos entre Assunção e Taiwan

Paraguai recebe caixas da vacina Covaxin doadas pela Índia Foto: NORBERTO DUARTE / AFP

ASSUNÇÃO — Enquanto as nações pobres lutam para ter acesso às vacinas contra a Covid-19, o Paraguai tem suas chances de receber as doses afetadas por seu papel inesperado nas tensões crescentes entre os Estados Unidos e a China.

A aliança de 63 anos do país sul-americano com Taiwan — forjada quando ambos eram dirigidos por governos autoritários de direita — significa que o Paraguai não pode comprar vacinas diretamente de farmacêuticas da China, que já forneceram doses a outras nações latino-americanas. As autoridades do país dizem que foram abordadas para mudar de lado e se aproximar de Pequim para obter os imunizante.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, ligou para o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, para impedir essa mudança. Isso levou o ministro das Relações Exteriores paraguaio, Euclides Acevedo, a enviar, nesta semana, um recado franco a Washington e Taipei:

— Blinken foi muito firme, dizendo a Abdo: “Olha, seus aliados são Taiwan e nós” — disse Acevedo na televisão. — Mas pedimos a esses aliados estratégicos uma prova de seu amor. Antes de dar as mãos, você tem que pelo menos nos levar ao cinema.

Acevedo alertou que “países com os quais não temos relações diplomáticas” estão cortejando ativamente outras nações com vacinas. 

— O presidente Xi Jinping tem muito interesse em um acordo conosco — completou. 

Procurado, um porta-voz do Departamento de Estado disse que os EUA estão trabalhando com o Paraguai e parceiros com interesses semelhantes para apoiar os esforços de resposta à pandemia e elogiou Taiwan, que a China considera uma província rebelde, como um aliado e uma democracia.

O Partido Comunista Chinês vê Taiwan como seu território, que deve ser tomado à força se necessário, e muitas vezes evita países que reconhecem o governo da ilha. O governo de Taiwan rejeita a afirmação de Pequim, insistindo em que Taiwan já é uma nação soberana de fato.

— À medida que Taiwan perde aliados, a posição da China ganha cada vez mais legitimidade — disse Francisco Urdinez, pesquisador do centro de estudos asiáticos da Universidade Católica do Chile e coautor de um artigo sobre a relação do Paraguai com Taiwan. — Se nenhum país reconhecer Taiwan, será muito mais fácil para a China recuperar a posse da ilha.

Durante anos, conforme a China se tornava um dos maiores mercados do mundo, a grande maioria das capitais escolheu Pequim em vez de Taipei, encontrando objeções simbólicas de Washington, que também aumentava seus laços com chineses. Mas, à medida que as ambições globais de Pequim cresceram, os EUA, sob a gestão do presidente Donald Trump e agora de Joe Biden, veem a China como rival, e aumentam o apoio a Taiwan.

Enquanto isso, os EUA e a União Europeia estão segurando suas vacinas. A China, por outro lado, forneceu milhões de doses a países como México, Chile e El Salvador, em uma demonstração de soft power.

Com seus hospitais lotados e o número de mortes pela Covid-19 aumentando, o Paraguai, que tem uma população de 7 milhões de habitantes, só conseguiu obter 163 mil doses, incluindo 23 mil injeções chinesas doadas pelo Chile e Emirados Árabes Unidos. Benítez enfrentou semanas de protestos e uma moção de impeachment fracassada devido à escassez de doses e de medicamentos nos hospitais.

A Câmara de Indústria e Comércio Paraguai-China é uma das dezenas de intermediários que abordaram autoridades do governo para intermediar um acordo de vacina com os chineses. Enquanto alguns interlocutores pedem adiantamentos multimilionários, a Câmara — agindo em nome de uma farmacêutica local — quer que as autoridades paraguaias de saúde assinem a papelada chinesa para que as empresas possam iniciar as negociações.

— Nós basicamente dissemos: se o governo do Paraguai quiser preencher os formulários, podemos submetê-los à aprovação da Sinovac ou da Sinopharm — disse o presidente da Câmara, Charles Tang, sobre uma carta enviada ao Ministério da Saúde na semana passada.

A Câmara disse que o governo respondeu com perguntas.

O Paraguai pertence a uma lista cada vez menor de 15 países, incluindo Guatemala e Honduras, que reconhecem Taiwan. Quando seu Ministério das Relações Exteriores disse que várias nações insinuaram que romper com Taiwan era uma pré-condição para obter vacinas chinesas, a China chamou isso de desinformação “maliciosa”. Taiwan, por sua vez, acusou “alguns partidos” de usar vacinas para “manipulação política”.

A relação entre os dois países remonta à época em que os presidentes anticomunistas Alfredo Stroessner e Chiang Kai-shek governavam em Assunção e Taipei, respectivamente. Eles nunca se conheceram. Stroessner fez uma visita oficial a Taiwan em 1975, acompanhado de seu secretário pessoal, o pai de Benítez. Taiwan despejou centenas de milhões de dólares em ajuda ao seu aliado ao longo dos anos, mas o comércio bilateral é minúsculo em comparação com outros parceiros comerciais do Paraguai.

Entre outras coisas, Taiwan fez doações ao Paraguai de remédios e suprimentos médicos extremamente necessários para conter a crise do coronavírus. A ajuda permitiu ao governo paraguaio redirecionar o auxílio habitacional para a compra de vacinas.

Mesmo assim, a pandemia está dando novo ímpeto àqueles na elite empresarial e política do país que dizem que já passou da hora de abandonar Taiwan.

O apoio do Paraguai a Taipei o afastou do financiamento de obras públicas sob a iniciativa Nova Rota da Seda. No ano passado, a China teve um superávit comercial de quase US$ 2,9 bilhões (cerca de R$ 14,5 bi) com o Paraguai, que não pode vender diretamente carne e soja.

No ano passado, partidos de oposição, conservadores e de esquerda, patrocinaram duas resoluções não vinculantes para estabelecer relações diplomáticas ou negociar diretamente a compra de suprimentos médicos e vacinas com a China. Enquanto o Partido Colorado, no poder, votou contra ou emendou fortemente as resoluções, alguns de seus congressistas estão começando a questionar o apoio de longa data do partido a Taiwan.

A ajuda pandêmica da China a seus aliados impressionou Jazmin Narvaez, líder do Partido Colorado na Câmara dos Deputados e leal a Benítez.

— Não há um debate intenso — disse a deputada por telefone. — Mas vários colegas têm dúvidas sobre qual aliança é do interesse do Paraguai. É uma situação que tem que ser estudada.

Até mesmo o governo sinalizou que o que antes era uma relação rígida pode estar sujeita a revisão. O ministro Acevedo deixou a porta aberta, dizendo: 

— Esse é um debate político que merece um acordo entre todos os Poderes e a sociedade.

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