Na Cúpula do BRICS, realizada nesta quinta-feira (24) em Kazan, a presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), Dilma Rousseff, enfatizou a importância da paz e da segurança como pilares para o desenvolvimento global. Em seu discurso na Sessão BRICS Outreach, a ex-presidente do Brasil reforçou que o fortalecimento da cooperação entre os países do Sul Global e dos BRICS é vital para alcançar um sistema econômico multipolar, menos dependente do dólar e mais justo para os países emergentes. Dilma aproveitou a ocasião para prestar solidariedade a Cuba, duramente impactada por sanções econômicas, e aos palestinos, destacando a gravidade da violência perpetrada por Israel na Faixa de Gaza.
Dilma iniciou sua fala saudando os líderes dos países-membros do BRICS e o secretário-geral da ONU, António Guterres. Em um tom que defendia a integração e o desenvolvimento econômico do Sul Global, ela afirmou que “os países dos BRICS e do Sul Global estão se tornando atores centrais na busca por um multilateralismo que trilhe novos caminhos rumo a um desenvolvimento inclusivo, sustentável e resiliente”.
Dilma também criticou a hegemonia financeira do Ocidente, refletida no poder do dólar e nas sanções unilaterais que, segundo ela, minam a confiança global e ampliam as desigualdades financeiras. Para Dilma Rousseff, a “instrumentalização do dólar” representa um obstáculo para o Sul Global, que busca alternativas que permitam maior autonomia e estabilidade. Ela citou dados que ilustram a crescente participação dos BRICS no PIB global: enquanto o G7 representa atualmente cerca de 30,8%, os BRICS já superam essa porcentagem, alcançando 31,5%. A projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que, até 2028, os BRICS responderão por 35% a 40% da economia mundial, sinal de um novo equilíbrio econômico.
A líder do NDB enfatizou que os países emergentes precisam de “acesso a novas fontes de financiamento” para investir em infraestrutura, energia renovável, educação e inovação. Esses recursos são essenciais para que o Sul Global possa avançar em áreas como industrialização, combate às mudanças climáticas e desenvolvimento sustentável. Dilma destacou que a “reforma das instituições financeiras herdadas de Bretton Woods” é essencial para adequar o sistema financeiro global à nova realidade multipolar.
Dilma ressaltou que o Novo Banco de Desenvolvimento tem um papel diferenciado, por não impor condicionalidades macroeconômicas aos seus empréstimos, como tradicionalmente fazem o FMI e o Banco Mundial. A expansão da adesão do NDB a novos países do Sul Global, segundo ela, é fundamental para fortalecer uma arquitetura financeira mais inclusiva.
Em tom de apelo, Dilma concluiu seu discurso reforçando a urgência da cooperação global para garantir segurança e estabilidade. “Para o progresso, precisamos de paz e, para o desenvolvimento, precisamos de segurança e cooperação,” finalizou a presidente do NDB, reiterando seu compromisso com um novo paradigma de colaboração internacional que priorize o Sul Global e a construção de uma ordem econômica multipolar e justa.
Leia a íntegra do discurso de Dilma Rousseff:
Expresso minhas saudações à Sua Excelência o Presidente da Federação Russa, Sr. Vladimir Putin, anfitrião da Cúpula dos BRICS, pelo convite para participar da Sessão BRICS Outreach.
Gostaria de cumprimentar todos os Presidentes, Primeiros-Ministros e Ministros das Relações Exteriores aqui presentes. Saúdo também Sua Excelência, o Secretário-Geral das Nações Unidas, Sr. António Guterres.
Excelências, Ilustres Convidados, Senhoras e Senhores.
Os países dos BRICS e do Sul Global estão se tornando atores centrais na busca por um multilateralismo que trilhe novos caminhos rumo a um desenvolvimento inclusivo, sustentável e resiliente.
A crise financeira de 2008 marcou um ponto de virada, pois os países desenvolvidos enfrentaram os desafios macroeconômicos criados pela predominância das finanças especulativas sobre as atividades produtivas, que ciclicamente dão lugar a um crescimento lento, inflação e alto endividamento. As economias emergentes, por sua vez, têm desenvolvido suas atividades comerciais e produtivas, acelerando seu crescimento e ganhando força no comércio e no investimento. Elas também têm pressionado por uma reforma do sistema de governança global, formando novos arranjos regionais e se tornando agentes geopolíticos ativos em busca de uma ordem multipolar e multilateral.
A mudança do dinamismo econômico em direção ao Sul Global é a força motriz desta nova era, onde os países dos BRICS têm crescido rapidamente. Essa mudança se reflete em números impressionantes. Por exemplo, embora o G7 representasse 62% do PIB global quando foi estabelecido, hoje representa apenas 30,8%, enquanto as nações dos BRICS já representam 31,5% do PIB global, e essa participação tende a ser ainda maior à medida que os BRICS incluem países exportadores de energia. Vale notar que o FMI prevê que os países dos BRICS, até 2028, representarão entre 35% a 40% do PIB global, enquanto a participação do G7 cairá para 27%.
Ao mesmo tempo, a fragmentação geoeconômica e o aumento das tensões geopolíticas criam turbulências para o Sul Global. A instrumentalização do dólar com sanções unilaterais está exacerbando os riscos financeiros, reduzindo a confiança no sistema e levando à desaceleração da globalização e do crescimento. Barreiras tecnológicas e controles de exportação são outra manifestação de uma nova onda de protecionismo e uma nova versão da política de “empobreça seu vizinho” — “beggar-thy-neighbor”.
À medida que as considerações geopolíticas passam para o centro do palco, o multilateralismo, mais do que nunca, torna-se a pedra angular de um mundo de paz e segurança. Precisamos restaurar uma ordem internacional que produza uma globalização mais inclusiva, sustentável e resiliente, sob uma governança global verdadeiramente multilateral. Uma prioridade máxima neste cenário internacional desafiador é o fortalecimento dos BRICS e do Sul Global. Devemos reforçar a cooperação e implementar estratégias para criar novos instrumentos e ferramentas para promover nosso desenvolvimento.
A busca pela eliminação da pobreza, o impulso para o desenvolvimento industrial e o combate às mudanças climáticas são prioridades máximas no Sul Global. Além disso, infraestrutura logística, social e digital continua indispensável diante de redes de transporte fragmentadas, fornecimento de energia pouco confiável, falta de acesso a água potável e saneamento, e insuficiente provisão de serviços de saúde e educação de qualidade, entre outras questões críticas. Sem mencionar que a intensificação dos desastres naturais em todo o mundo, especialmente nos países do Sul Global, evidencia que o mundo enfrenta uma emergência climática, e os mercados emergentes e países em desenvolvimento são os mais afetados.
Nesse contexto, uma das barreiras mais significativas enfrentadas pelo Sul Global é a limitada disponibilidade de crédito de longo prazo para o desenvolvimento. Além de nossas necessidades urgentes de financiamento, sabemos que as altas taxas de juros em moedas fortes e as variações do câmbio criam muitos problemas e desequilíbrios para o investimento nos países do Sul Global, principalmente ao não permitir a mobilização do setor privado. Além disso, a elevada dívida pública das economias avançadas drena a liquidez que, de outra forma, poderia financiar investimentos nos mercados emergentes e nos países em desenvolvimento (EMPDs). Duas das economias avançadas – EUA e Japão – possuem metade da dívida global, estimada em US$ 100 trilhões. Recentemente, o FMI apontou “para uma combinação perversa de baixo crescimento e alta dívida” nas economias avançadas, o que cria uma situação crítica e desafiadora no futuro próximo.
O acesso a novas fontes de financiamento é, portanto, fundamental para que o Sul Global invista em infraestrutura, transição energética e capacitação em ciência, educação e tecnologia. Esses investimentos são essenciais para fomentar a inovação, a industrialização e o desenvolvimento sustentável. O grande volume de financiamento necessário é a razão pela qual buscamos novas plataformas, novas tecnologias digitais, a captação e o investimento em moedas locais para fornecer novos fundos para nosso desenvolvimento. É importante destacar que isso não é contra nenhuma outra fonte de financiamento, pois o Sul Global precisa ter acesso e compartilhar todos os recursos internacionais e mecanismos financeiros disponíveis. Daí a importância e a urgência da reforma das instituições financeiras herdadas de Bretton Woods.
Senhoras e Senhores,
A capacitação em conhecimento científico, educacional e tecnológico é pré-condição para dar suporte à inovação e criar condições para uma industrialização de nova qualidade. Trata-se de um fator crítico para o Sul Global, servindo como pedra angular tanto para o desenvolvimento econômico quanto para o progresso social. Os países emergentes e em desenvolvimento não podem aceitar serem relegados ao papel de meros exportadores de commodities. Para alcançar uma nova industrialização, reitero que eles devem passar por um processo de “catch-up”, melhorando a educação, fortalecendo as capacidades científicas e tecnológicas e promovendo um ecossistema industrial inovador. Na verdade, a inovação é a chave para impulsionar uma produtividade mais alta, que, por sua vez, cria melhores empregos e estabelece as bases para um crescimento inclusivo e sustentável.
Para tanto, a cooperação internacional desempenha um papel estratégico ao ajudar o fechamento da lacuna, o “catch-up” na capacitação em ciência, tecnologia, promovendo a inovação. Sem cooperação internacional, essa lacuna é mais difícil de ser superada e os países BRICS têm na cooperação o seu alicerce.
Além de seu mandato para investir em infraestrutura, ações contra as mudanças climáticas e contra a desigualdade, o Banco dos BRICS (NDB) deve explorar seu papel em novas fontes de financiamento e cooperação internacional para a educação e inovação tecnológica.
Assim, uma política integrada que vincule finanças, investimento, indústria e tecnologia é essencial para o Sul Global. O NDB desempenha um papel crucial na mobilização desses recursos para projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável nos países dos BRICS.
Além disso, o NDB enfatiza a soberania nacional, pois seu financiamento não impõe condicionalidades macroeconômicas, diferenciando-o das instituições tradicionais de Bretton Woods. A expansão da adesão do NDB a novos países do Sul Global é estratégica e contribui de forma decisiva para uma arquitetura financeira internacional mais multilateral.
Neste cenário desafiador, o mundo precisa urgentemente cultivar paradigmas colaborativos com centralidade no Sul Global, que devem aderir estritamente aos princípios de benefício mútuo e ganhos para todos, além de respeitar plenamente a soberania e a independência das nações. Estou convencida de que os BRICS e os arranjos regionais do Sul Global continuarão a desempenhar um papel fundamental na construção de uma nova ordem multipolar nos próximos anos. O NDB reafirma seu compromisso com esse objetivo e é parceiro na formação de novos centros de crescimento e na criação de novos caminhos e visões de cooperação e desenvolvimento.
Por fim, devo expressar minha solidariedade com Cuba, aqui presente, que tem sofrido com sanções e bloqueios econômicos por mais de 60 anos, apesar das decisões tomadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas contra essas medidas. Gostaria também de condenar a violência extrema que afeta a Faixa de Gaza, particularmente o massacre de mulheres e crianças, o que significa uma tentativa de extermínio do povo palestino.
Senhoras e senhores,
Para o progresso, precisamos de paz e, para o desenvolvimento, precisamos de segurança e cooperação.