Antes de fazer o discurso de abertura do debate principal da Assembleia Geral das Nações Unidas em Nova York, nos Estados Unidos, nesta terça-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou, no domingo (22), na Cúpula do Futuro, encontro convocado pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, e que aconteceu no mesmo plenário do tradicional evento anual que reúne chefes de Estado do mundo todo. Na ocasião, Lula teve o microfone cortado no trecho final de sua fala.
Em um dos pontos mais fortes de seu discurso, Lula fez uma crítica enfática às instituições de governança global, incluindo a própria ONU. O presidente brasileiro havia acabado de disparar contra a Assembleia Geral e o Conselho de Segurança da ONU quando teve seu microfone cortado – isto é, o áudio amplificado de sua voz para a plateia foi desligado.
“A maioria dos órgãos carece de autoridade e meios de implementação para fazer cumprir suas decisões. A Assembleia Geral perdeu sua vitalidade e o Conselho Econômico e Social foi esvaziado. A legitimidade do Conselho de Segurança encolhe a cada vez que ele aplica duplos padrões ou se omite diante de atrocidades. As instituições de Bretton Woods desconsideram as prioridades e as necessidades do mundo em desenvolvimento”, dizia Lula pouco antes do corte.
Na sequência, é possível ouvir a voz de um mestre de cerimônias agradecendo a Lula por seu pronunciamento. O presidente, entretanto, seguiu falando, mesmo com o microfone desligado.
“O Sul Global não está representado de forma condizente com seu atual peso político, econômico e demográfico. A Carta da ONU não faz referência à promoção do desenvolvimento sustentável. Precisamos de coragem e vontade política para mudar, criando hoje o amanhã que queremos. O melhor legado que podemos deixar às gerações futuras é uma governança capaz de responder de forma efetiva aos desafios que persistem e aos que surgirão. Muito obrigado”, finalizou Lula.
A organização do evento cortou o microfone de Lula para seguir o protocolo, que prevê um discurso com duração máxima de 5 minutos para cada orador.
Apesar da justificativa oficial, o fato “teve um forte simbolismo”. A opinião é de Fernando Brancoli, professor Geopolítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista à Fórum, Brancoli avalia que o “incidente” pode ter mais de uma interpretação.
“O corte do microfone de Lula durante seu discurso na Cúpula pelo Futuro, enquanto criticava a ONU e defendia reformas globais, teve um forte simbolismo. Embora o motivo oficial tenha sido a superação do tempo permitido, o incidente pode ser interpretado como uma demonstração das limitações impostas a vozes que desafiam o status quo”, analisa o professor.
“Para muitos, isso reforça a percepção de que as estruturas internacionais de governança não estão dispostas a ouvir críticas ou sugestões de reforma que venham de países fora do eixo tradicional de poder”, prossegue o especialista.
Brancoli pondera, contudo, que “é importante reconhecer que o episódio também pode ser visto como uma falha de Lula em adaptar seu discurso às limitações formais do evento, o que pode minar a eficácia de sua mensagem”.
“A capacidade de Lula e do Brasil de influenciar mudanças no sistema internacional dependerá, em parte, da habilidade de comunicar suas críticas de maneira estratégica e eficaz, respeitando as normas diplomáticas enquanto promove uma agenda de transformação”, pontua.