Especialistas explicam significado da transição do comércio Argentina-China do dólar para yuan

Em 27 de abril, o governo argentino anunciou um acordo com Pequim que lhe permitirá pagar por suas importações do país asiático em yuans. A Sputnik recebeu comentários de especialistas sobre o que isso pode significar no contexto da desdolarização global.

De acordo com analistas financeiros, em meio a uma crise econômica aguda causada pela escassez de moeda estrangeira, exacerbada por uma disputa com o Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre as negociações de pagamento da dívida, a rejeição pela Argentina da moeda norte-americana no comércio com Pequim é vista como um gesto de autonomia em relação a Washington.

Yuan se fortalece como moeda global, pressionando dólar

“Isso vai aliviar bastante a situação do Banco Central argentino, mas não muda a fragilidade de fundo”, disse à Sputnik Francisco Cantamutto, economista e pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas (Conicet).

Segundo ele, a Argentina tem de ter cuidado, já que está “em uma situação muito delicada”, com a incerteza muito alta. Em sua opinião, o acordo com a China pode ser visto como uma forma de pressionar a Casa Branca.

“Esse é um gesto de endurecimento em relação aos Estados Unidos […] A Argentina vinha trabalhando em um alinhamento com Washington, mas agora que é necessário renegociar o acordo com o FMI, isso pressiona a diretoria a mostrar que Buenos Aires não está no bolso de ninguém“, diz.

Cantamutto acredita que, aumentando a presença em todas as operações, o yuan se fortalece como moeda global, pressionando o dólar.

Ele acrescenta que, embora os argentinos vejam o dólar como uma reserva de valor, como meio de troca seu peso é relativo.

“Nós comerciamos mais com a China do que com os Estados Unidos.”

Cantamutto destaca especificamente o acordo entre Lula da Silva e Xi Jinping sobre comércio bilateral.

“O Brasil é o caso mais surpreendente porque, historicamente, estava alinhado com os Estados Unidos. Hoje, diferentes países estão desafiando essa preeminência, nem todos estão seguindo Washington ao pé da letra.”

Dólar se retira da triangulação internacional

O diagnóstico do analista é compartilhado por seus colegas.

“O anúncio traz um alívio muito importante porque significa não depender do dólar para o comércio, mas a escassez de reservas permanece e é muito preocupante”, disse Ismael Bermúdez, jornalista especializado em economia, à Sputnik.

De acordo com ele, os benefícios do pacto bilateral anunciado são duplos: não apenas reduz a dependência do dólar, mas também força o FMI a reconsiderar sua posição em relação à Argentina.

“A única forma para os Estados Unidos de neutralizar a China é se tornar um ajudante importante de nosso país, e sabemos que o que o FMI faz está nas mãos da Casa Branca”, acredita Bermúdez.

Ele diz também que os Estados Unidos não flexibilizam suas políticas, forçando assim os países a buscar parceiros com maior capacidade de ajustar os termos dos acordos, e aí emerge a China.

“Crescentemente vemos como o dólar se retira da triangulação internacional, o mesmo está vendo Lula. A China passou a ser o principal investidor na América Latina e no Caribe, uma zona que antes os Estados Unidos consideravam sua área privilegiada de influência“, conclui Bermúdez.