Fechamento de cidades, monitoramento de cidadãos e testes diários. Os métodos de contenção da pandemia pela China renderam resultados impressionantes quando comparados ao resto do mundo. Pôr a saúde do povo em primeiro lugar tem sido uma prioridade para o governo, o que fez a China não ter nem 0,08% do total de mortos pela COVID-19 apesar de possuir 18% da população mundial.
Muito se fala das políticas draconianas de controle total e absoluto do Estado chinês quando, na verdade, a aplicação dessas é feita de forma muito mais descentralizada do que se imagina. Existem orientações gerais, mas cada governo regional é responsável por sua aplicação e, no que toca o sistema de saúde, este está longe de ser unificado, e ainda mais distante de ser público.
Para dar cabo à política proposta pelo Estado, uma longa lista de empresas privadas e terceirizadas foram criadas com um único objetivo de testar centenas de milhões de pessoas, diariamente.
O que chama a atenção são os lucros obtidos de maneira controversa por essas empresas, fato que já é matéria de investigação e críticas na China por diferentes setores da sociedade.
As críticas são vastas e vão desde cidadãos que, importunados por ligações e ameaças constantes de agentes privados da saúde, veem uma violação do seu direito de ir e vir, quanto a quadros de peso do Partido Comunista da China (PCCh). O assunto já se tornou motivo de manifestações pelo país e, ao contrário do que se pensa, não saiu do radar do Partido.
Na última terça-feira (29), a sessão editorial de saúde do Diário do Povo, órgão de imprensa do PCCh, emitiu um artigo denunciando o caos na testagem de ácido nucleico e demandando regras mais rígidas para as empresas de testagem.
O artigo do Diário do Povo fez críticas duras e diretas que reconhecem o teste de ácido nucleico como base científica para a tomada de decisão das políticas do Estado quanto aos rumos da prevenção e controle da pandemia. Mas, desde o início do surto há quase três anos, há registros de testes repetidos e falsos que aumentam não só a dificuldade para a prevenção e controle, como também fazem cair a confiança do povo na prática desse tipo de teste.
A importunação de cidadãos por esses agentes também é flagrante. Recebemos o relato de um chinês que reside no Brasil há décadas e que teve de ir à China. Ele nos conta que, ao final do período de isolamento, mesmo testando negativo, foi convencido a ir para um hospital a fim de ser monitorado por mais uma semana.
Após o período no hospital, dirigiu-se à sua cidade natal e, mesmo com a autorização da prefeitura de onde ele havia chegado, continuou sendo importunado por esses agentes privados de saúde, que tentaram coagi-lo a se dirigir a um hotel para realizar uma nova bateria de testes.
Esse tipo de caso é recorrente, e basta um único teste positivo, falso ou não, para que a empresa teste milhões de pessoas diariamente na província onde surgiu o teste positivo. São testes feitos de forma caótica não apenas em áreas especializadas. No caso dos testes feitos em hotéis, aquele que testa positivo é isolado no hotel, e a hospedagem é custeada pela própria pessoa.
A testagem massiva de ácido nucleico e os hospitais de cabine móveis se tornaram um negócio lucrativo na China, o que faz os chineses se perguntarem se algum dia a pandemia terá fim. Ainda segundo o artigo do Diário do Povo, “um relatório de teste de ácido nucleico falso pode causar a propagação da epidemia, permitindo que rodadas de testes de ácido nucleico durem vários meses”. O jornal pede ainda que os responsáveis por esse tipo de fraude sejam devidamente punidos.
Uma das investigações em andamento é contra Zhang Shanshan, supervisora da Nucleus Gene. Zhang está associada a outras 35 companhias de testes de ácido nucleico por toda a China, e de fato a Nucleus Gene se tornou a matriz de diversas holdings por trás de empresas que fazem esse teste.
A esse respeito, o Conselho de Estado da China participou de uma conferência de imprensa afirmando que iria fortalecer a supervisão das empresas de testes, e que violações graves serão tratadas de forma resoluta em conformidade com a lei.
*Edição: Thayna Zanocco