Depois do ouro

Foto: Beatriz Souza. Ministério da Defesa/Wikimedia Commons

Beatriz Souza, paulista de Itariri, foi uma criança muito ativa e cheia de energia, e, em vez de ser diagnosticada com TDAH e drogada com ritalina,  teve a boa fortuna de ser filha de Poseidon, atleta de judô aposentado. Após tentar a natação sem sucesso, Bia seguiu o caminho do pai e escolheu o tatame como  seu espaço potencial de vida,

Hoje, aos 26 anos, ela ganhou a primeira medalha de ouro do Brasil nas  Olimpíadas de Paris.

Como sou praticante de arte marcial  o Judô é minha categoria preferida dos jogos , e em uma manhã intensa de sexta-feira parei meus afazeres  para ver  uma lutadora singular. Beatriz é grande e corpulenta como costumam ser as judocas de sua categoria, porém seus pés parecem flutuar sobre o tatame e seus movimentos são leves como de uma garça, Mas seu golpe mais poderoso é sua postura simples, calma, quase etérea, como se disputar a maior competição do mundo ocidental fosse  um pássaro bebendo água ou um gato passando pelo telhado. Coisas da vida, que parecem desimportantes mas, sem elas, a vida não existiria,

 “Depois da chuva”  foi a última idealização do cineasta Akira Kurosawa e realizado por seu filho, conta a história de um espadachim invencível. Esse espadachim em algum momento conta como aprendeu a lutar. Ele era muito pobre e vagava por entre os feudos  na luta por sobrevivência. A estratégia que desenvolveu era desafiar o melhor guerreiro da vila, e permanecer imóvel. Mesmo sem saber lutar , sua  postura era tão tranquila e serena que seu adversário desistia antes do combate iniciar. Até que desafiou o melhor guerreiro do Japão, que depôs sua katana logo após erguê-la.

Um pouco envergonhado em enganar um opositor tão honrado, o desafiante revelou seu truque, e que se submeteria a morte como punição por sua ousadia.

O guerreiro riu, surpreso, e lhe disse que a tranquilidade era uma das mais importantes habilidades de um grande Samurai, e decidiu ensinar-lhe tudo o que sabia, e o tornou o maior espadachim de todos os tempos, O filme narra a história de uma batalha travada por esse herói tranquillo encerra com o sol despontando entre as nuvens após uma tempestade, como diz o provérbio zen “ antes da iluminação, colete água e colha lenha, depois  da iluminação, colete água e colha lenha”,

Em todas suas lutas Bia foi perfeita, tranquila leve, inteligente,  totalmente plena em cada infinito instante. Antes do ouro, depois do ouro,

E o espírito mais afiado dos grandes mestres da arte marcial japonesa encarna em uma menina brasileira.

Obrigado

Você honrou todas as pessoas que seguem esse caminho.

Fabio Dal Molin

Psicólogo, ´professor da FURG, pós-doutorando em Psicanálise, Clinica e Cultura da UFRGS

Professor de defesa pessoal, coordenador dos projetos Coletivo Rosa dos Ventos e Corpo, ètica, autodefesa: uma filosofia da resistência

@b.dalmolin @autodefesa2024

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