O pacote de corte de gastos anunciado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) prevê a alteração da política de valorização do salário mínimo elaborada pelo próprio governo. A mudança tende a reduzir a elevação do piso nacional nos próximos anos para que o aumento seja compatível com regras do arcabouço fiscal, também idealizado pela equipe econômica deste governo.
Ainda no primeiro ano do seu terceiro mandato presidencial, Lula assinou uma Medida Provisória (MP) restabelecendo uma política de valorização do salário mínimo, a qual havia sido abandonada durante o governo dos ex-presidentes Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). A MP virou lei em agosto de 2023. Balizou o reajuste do piso em 2024.
Pela política, o salário mínimo cresce anualmente com base na inflação acumulada no período anterior, mais a taxa de crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) do segundo ano anterior ao ano vigente.
Em 2023, o PIB cresceu 2,9%. Isso significa que o salário mínimo em 2025 deveria subir 2,9%, além do percentual acumulado de inflação em 2024, o qual ainda está indefinido.
Acontece que o governo resolveu limitar o aumento do salário mínimo às regras do arcabouço fiscal. A regra sobre gastos do governo que substituiu o teto de gastos, de Temer foi anunciada em abril de 2023. Virou lei em agosto do mesmo ano.
Essa regra limita o crescimento dos gastos do governo a até 2,5% ao ano acima da inflação nos casos em que a arrecadação cresça para tanto. Para encaixar a política de valorização do salário mínimo nos limites do arcabouço, será necessário também limitar o aumento real dele a até 2,5%, mesmo em casos de crescimento econômico acima disso.
Na prática, em 2025, o aumento do salário mínimo ficaria menor. De inflação mais 2,9%, ficaria inflação mais 2,5%. Em 2026, a mudança também tende a limitar o aumento do piso. A economia brasileira caminha para crescer mais de 3% em 2024. Esse percentual não poderia ser aplicado ao mínimo por conta do arcabouço fiscal.
“Salário mínimo continuará tendo ganho real, acima da inflação. Mas este ganho vai estar condicionado àquele espaço do arcabouço fiscal, entre 0,6% e 2,5%”, explicou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista coletiva concedida nesta quinta-feira (28).
Para Weslley Cantelmo, economista e presidente do Instituto Economias e Planejamento, a mudança proposta pelo governo é “péssima”. Segundo ele, o aumento do salário mínimo gera mais crescimento econômico e distribuição de renda.
“A cada real colocado no salário mínimo é multiplicado, gera resultado na economia. As pessoas consomem, isso gera receitas para o empresário, investimentos. Gera arrecadação para o governo”, explicou ele. “Se a gente reduz o aumento do salário, tende, no fim das contas, gerar mais pressão sobre as contas do governo.”
Aumento garantido
Haddad ponderou que, apesar da limitação, o enquadramento da política de valorização do salário mínimo nas regras do arcabouço vai garantir aumento real do piso mesmo em anos em que a economia brasileira não cresça ou mesmo encolha.
Pela regra atual, quando isso acontece, o piso sobe somente com base na inflação já que o percentual de aumento do PIB é zero ou mesmo negativo.
O arcabouço fiscal, no entanto, determina que as despesas federais precisam crescer ao menos 0,6% anualmente, independentemente das condições da economia. De acordo com o pacote anunciado por Haddad, isso seria incorporado à política de valorização do salário mínimo garantindo assim aumento real mesmo nas recessões.
“Isso significa que ele pode subir numa recessão. Mas, ao mesmo tempo, se você tiver um aumento do PIB muito grande, você vai limitar o crescimento do salário”, explicou.
Outros benefícios
O pacote anunciado por Haddad também prevê mudanças no abono salarial do PIS/Pasep, pagamento do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Bolsa Família. Na prática, o governo pretende endurecer regras para concessão dos benefícios sociais visando a redução de gastos para sustentar o arcabouço fiscal.
Cantelmo também é contra as medidas por considerá-las duras demais.
Para Pedro Faria, economista e doutor em história, a maior parte delas representa um controle mais eficiente contra fraudes. “O que foi proposto é, e que em certa medida já está sendo feito, conter cadastros indevidos e potenciais fraudes.”