Em entrevista ao Mundioka, podcast da Sputnik Brasil apresentado pelos jornalistas Melina Saad e Marcelo Castilho, os analistas foram ouvidos sobre as opções que o povo palestino de Gaza tem para ir, uma vez que o governo de Israel ameaça expulsar os habitantes de lá.
“Nós estamos diante de uma grande crise humanitária“, afirma Denise Abreu Cavalcanti, mestre em direito das migrações transnacionais pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e Università Degli Studi di Perugia.
É importante lembrar, destaca Cavalcanti, que há normas internacionais de proteção a refugiados, como o Estatuto dos Refugiados de 1951 e a Declaração de Direitos Humanos de 1948, em que migrar é um direito humano.
“Temos, mais recente, o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Irregular, em que os Estados que participaram desse pacto reconhecem que nenhum Estado pode abordar a migração sozinho“, afirmou.
Para o Egito?
Um dos destinos para os refugiados palestinos mais comentados na mídia é o Egito, país vizinho a Israel e administrador do único ponto de controle fronteiriço com a Faixa de Gaza sem ser via território israelense.
“O Egito”, explica Giuliana Redin, da cátedra Sérgio Vieira de Mello da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e especialista em migrações internacionais e refúgio, “não tem nenhuma intenção de receber a população palestina“.
“Este é, inclusive, o discurso da Liga Árabe, de negar a cidadania a palestinos como uma forma de que eles possam preservar a sua identidade, manter essa questão viva e reivindicar o direito ao retorno.”
Apesar de Redin ver no direito de retorno do povo palestino algo “inalienável”, fundamentado na resolução 3236 de 1974 da Organização das Nações Unidas (ONU), a especialista vê também que essa narrativa acaba incorrendo na impossibilidade de essas pessoas se constituírem cidadãs em novas regiões.
Para a Jordânia?
Assim como Abdel Fattah al-Sisi, presidente do Egito, o rei da Jordânia, Abdullah II, também já declarou que os refugiados de Gaza não serão aceitos em seu reino.
A situação da Jordânia também conta com um aspecto singular, cerca de 2,4 milhões de palestinos e seus descendentes já vivem no país, representando cerca de 30% da população. No entanto, eles não possuem cidadania jordaniana, impedindo que disputem cargos públicos e participem ativamente da vida política.
“Na Jordânia, a situação também não é tranquila, de 2004 a 2006, foram muitas as denúncias de desnacionalização de palestinos, inclusive, que haviam nascido já na Jordânia”, ressaltou Redin. É importante destacar que a Jordânia é aderente do modelo jus sanguinis de cidadania, em que esta é dada com base na cidadania dos pais, e não do local de nascimento.
A Europa pode recebê-los?
Outra opção explorada é se esse contingente de refugiados palestinos pode ir para o continente europeu, que já recebeu grandes levas de imigrações árabes na década passada. No entanto, aponta Cavalvanti, hoje, a União Europeia está tendo grandes discussões sobre suas políticas migratórias.
No bloco econômico, há tratados de repartição de pessoas solicitantes de asilo entre os países que compõe o bloco, explica a especialista. “Só que isso está gerando um problema muito grande.“
“Países estão fazendo acordos, por exemplo, com Líbia, com Tunísia, para impedir que as embarcações adentrem seu mar territorial. Então tudo isso são questões extremamente complicadas dentro dessa ótica internacional.”
O Brasil pode ser um destino para os palestinos?
E o Brasil? Será que o Brasil pode receber esses refugiados? Conforme destacou Cavalcanti, o Brasil é um país reconhecido internacionalmente pelo seu acolhimento, “principalmente depois da nova Lei de Migração“.
Promulgada em 2017, a Lei de Migração é um importante aprimoramento do Estatuto dos Refugiados de 1997 e reconhece o direito dos migrantes, destaca Redin, mas é preciso avançar em termos de políticas públicas à população que vem em situação de imigração.
A preocupação é compartilhada por Cavalcanti, que afirma que existem “políticas para que essas pessoas possam ser integradas socialmente e economicamente à nossa sociedade“, como cursos de português ou capacitação laboral.
“A nossa Constituição assegura a igualdade de nacionais e não nacionais quando estão no nosso território.”
A ONU pode fazer alguma coisa?
Existem duas agências da ONU que atuam diretamente na questão dos deslocamentos forçados, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), e a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo (UNRWA), criada especificamente para a população palestina após a Nakba, expulsão de 750 mil palestinos de seu território em função da guerra entre árabes e israelenses, explicou Redin.
Para Cavalcanti, o trabalho realizado pela ONU, não só no conflito palestino como em outros ao redor do mundo, é “maravilhoso”.
“Mas, nesse momento, não adianta só o trabalho da ONU, deve existir realmente uma união de esforços, porque nós estamos diante de um conflito seríssimo”, afirmou.
“Essas agências recebem financiamentos importantes e têm sido a saída para muitos dessa população deslocada forçosamente, sem dúvida, mas o papel dos governos é central e fundamental“, ressaltou Redin.
No entanto, os próprios trabalhos da ONU têm sido minados nesse conflito, destaca, dificultando com que as agências internacionais consigam se dedicar na ajuda a esses refugiados. “Cerca de 90 funcionários da ONU já morreram em virtude dos bombardeios, sendo 52 da UNRWA.“