Na última semana, São Paulo foi palco de um debate que pode marcar uma virada estratégica na governança financeira global. Durante o seminário “Cooperação estratégica para um mundo multipolar”, especialistas brasileiros e chineses apontaram caminhos concretos para ampliar o uso de moedas locais, como o real e o yuan, nas relações comerciais e financeiras, especialmente no âmbito do BRICS.
Mais do que um discurso ideológico, a desdolarização vem sendo tratada como uma estratégia pragmática para fortalecer a resiliência econômica dos países em desenvolvimento. Para o professor Hsia Hua Sheng, da Fundação Getúlio Vargas, a iniciativa não tem como objetivo enfraquecer o dólar, mas sim construir uma rede mais diversa e equilibrada de pagamentos e reservas. “O dólar teve papel importante na estabilidade do comércio global, mas a dependência excessiva também gerou vulnerabilidades”, explicou.
Segundo ele, o uso de moedas locais, como já acontece entre Brasil e China, reduz custos de transação, evita perdas cambiais e melhora o poder de negociação das empresas em acordos internacionais. A prática, que já ocorre em setores como energia, agricultura e fabricação de equipamentos, vem sendo reforçada por bancos como o Banco Agrícola da China, que possui representação em São Paulo. Chen Huaibiao, chefe da unidade no Brasil, afirmou que a instituição continuará ampliando o financiamento em yuan (RMB) para empresas brasileiras — inclusive para pequenas e médias empresas que buscam inserção no mercado global.
A discussão ganha ainda mais relevância diante do crescimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), conhecido como “Banco dos BRICS”, que vem aumentando a proporção de empréstimos em moedas locais para projetos de infraestrutura. Para Maurício Xavier, representante do banco no evento, esse tipo de medida não apenas reduz a exposição a riscos cambiais, como também fortalece a integração entre os países membros do BRICS.
Coorganizado pelo Consulado-Geral da China em São Paulo e pelo LIDE China, o seminário reuniu mais de 130 representantes do governo, empresas, universidades e mídia. O encontro mostra que o Brasil, com seu peso regional e presença estratégica nas cadeias globais, pode ser um dos protagonistas na construção de um sistema financeiro mais equilibrado, multipolar e adaptado às realidades do Sul Global.
Essa nova fase da cooperação Brasil-China aponta para um cenário onde acordos comerciais não dependam exclusivamente de Washington ou de Wall Street, mas sim de uma rede mais descentralizada, onde países como o Brasil têm voz ativa. E mais: abre espaço para que empresas brasileiras explorem novas possibilidades de financiamento e exportação com menor risco cambial — um diferencial importante em tempos de volatilidade internacional.