Apesar da pressão internacional, Israel segue ignorando resoluções da ONU ao atacar Gaza

Especialista em Relações Internacionais, Rodrigo Amaral explica comportamento como influência da lógica nacionalista sionista com a ‘carta branca’ dada pelos Estados Unidos a autoridades israelenses

(Foto: Khaled Omar/Xinhua)

O número de mortos no enclave palestino aumenta em ritmo frenético e as Forças israelenses não sinalizam o fim dos ataques. Crianças, mulheres e idosos representam 75% das vítimas fatais, conforme anunciaram os embaixadores da Organização das Nações Unidas na semana anterior, enquanto hospitais, escolas, abrigos e residências não são descartados da mira de Israel.

O comportamento do Estado desafia as vozes democráticas da população internacional que tem tomado as ruas para gritar pela justiça ao povo palestino. E não somente isso. A insistência das autoridades de Tel Aviv em rejeitar o cessar-fogo também tem incomodado os líderes do mundo, incluindo a própria ONU enquanto entidade. Nem mesmo a resolução apresentada por Malta, que teve de retirar o termo “cessar-fogo” do texto para ser aprovada, conseguiu convencer Israel. 

À medida que as ofensivas continuam, autoridades do mundo dão o passo à frente e tentam intimidar o governo israelense da forma que podem. A Bolívia já cortou os laços diplomáticos; Bahrein não quer mais se relacionar economicamente; Colômbia e Chile convocaram seus embaixadores.

Entretanto, Israel sustenta firmemente a narrativa de continuar suas operações militares no enclave palestino, tudo para “eliminar o Hamas”. Comportamento este que não somente confrontou os países individualmente, mas também a figura de representação máxima da ONU: António Guterres.

“António Guterres não merece ser chefe das Nações Unidas”, foi o que disse o ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, na terça-feira (14/11). Em menos de um mês, o chanceler israelense voltou a questionar a competência do secretário-geral da ONU, durante uma coletiva de imprensa na própria sede do órgão, em Genebra.

“Guterres não promoveu nenhum processo de paz na região. Guterres, como todas as nações livres, deveria afirmar claramente, em voz alta: ‘liberte Gaza do Hamas’”, acrescentou Cohen.

Semanas antes, em 24 de outubro, o secretário-geral havia irritado os representantes de Tel Aviv, em meio a uma reunião do Conselho de Segurança, principal órgão da ONU. Ao verbalizar que os ataques israelenses em Gaza representam uma “punição coletiva ao povo palestino”, Guterres recebeu imediatamente um pedido de renúncia por parte das autoridades do Estado judeu.

Mas Israel sabe que tem autorização para dizer isso, de acordo com Rodrigo Amaral, professor de relações internacionais da PUC-SP. Apesar dos constantes apelos pelo cessar-fogo e pelo estabelecimento de corredores humanitários que funcionem, a resistência de Tel Aviv à pressão internacional deriva do ator hegemônico norte-americano que sustenta a narrativa de que o Estado israelense está se “autodefendendo”.

“Israel não está preocupado evidentemente com as expressões coletivas dos atores da ONU. Não está disposto a se curvar às indicações que a instituição multilateral mais importante das relações internacionais tem dito sobre esse conflito. Só faz isso porque existe um ator hegemônico internacional que o dá livre suporte e carta branca, que são os Estados Unidos América”, explicou Amaral a Opera Mundi.

O episódio não é isolado. Em outros momentos da história, outros secretários-gerais da ONU já foram pressionados. Em 1946, o norueguês Trygve Lie pediu demissão; em 1981, o austríaco Kurt Waldheim teve seu terceiro mandato barrado; em 1996, vetaram a segunda gestão do egípcio Boutros Boutros-Ghali. Mas os impedimentos só foram possíveis por um fator em comum: a pressão proveniente de potências mundiais, como os Estados Unidos e a China.

“Essa pressão israelense [sobre Guterres] é cabível dentro da lógica de Israel, que está defendendo sua autonomia. No âmbito prático, não se vê grandes impactos”, disse o professor, que explica a existência de uma raiz histórica de proteção do Estado de Israel para essa “ousadia em ignorar a pressão internacional”. Lógica esta de que “tudo o que está no entorno ameaça a nossa existência”.

A imunidade oferecida por Washington somada ao nacionalismo judaico, como projeto pedagógico de Israel, impulsiona as declarações “sem filtros” das autoridades de Tel Aviv contra a comunidade internacional, pouco se importando com o “respeito do outro” contando que preserve seus ideais.

“O Estado de Israel foi constituído dentro de uma lógica nacionalista judaica, ou seja, sionista, na qual ‘somos nós contra todos’. [Benjamin] Netanyahu não é o primeiro e provavelmente não vai ser o último primeiro-ministro israelense que vai usar da prerrogativa da necessidade de unidade nacional e coesão nacional para implementar uma política de violência do Estado para fora. E ela vai ser evidentemente abraçada por boa parte de uma população israelense, ainda que não seja toda a população”, contextualizou Amaral.

Pressão brasileira sobre Israel

Com quase 40 dias de guerra, as últimas críticas manifestadas publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação a Israel têm ganhado intensidade. O Brasil, sendo um ator neutro e liberal do sistema internacional, que busca preservar e valorizar as instituições multilaterais do sistema das Nações Unidas, tem feito bastantes discursos ativos e agressivos. 

O petista chegou a classificar como “ato de terrorismo” esta semana os ataques incessantes em Gaza. Na recepção de repatriados brasileiros e palestinos recém-chegados do Egito, condenou a atuação de Israel e reforçou que crianças e mulheres não são alvos em uma guerra. 

Coletivos, entidades, movimentos sociais, autoridades e famílias que saem nas ruas do Brasil semanalmente para protestar contra o sistema de “genocídio” em Gaza demandam do governo brasileiro uma medida prática para condenar Israel. Tais como romper as relações comerciais, principalmente da indústria de armas, e cooperação militar fortalecidas durante o governo Bolsonaro. 

“Não vimos ainda as sanções econômicas e boicotes em vias práticas. Não vemos nenhum ator internacional relevante que tenha, de fato, implementado um sistema de sanção contra Israel. Aqui no Brasil muitos movimentos à causa palestina têm ressaltado essa necessidade. Mas não temos ainda a concretização disso”, esclareceu o professor.

Apesar de quaisquer sanções internacionais, rompimento de relações diplomáticas e a imagem do premiê Netanyahu cada vez mais desgastada, o Estado israelense tem reforçado a vontade de continuar a guerra na tentativa de apagar toda a existência do Hamas no território: “o cessar-fogo vai vir de maneira unilateral por Israel ou por pressão norte-americana, que é o único aliado que pode fazer esse tipo de apelo”, conclui Amaral.

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