Considerar a China uma ameaça à soberania dos países que integram o BRICS é “história de bicho-papão“. Essa é a avaliação do presidente da Rússia, Vladimir Putin, feita durante entrevista concedida ao jornalista estadunidense Tucker Carlson nesta semana.
Ao longo de 2 horas e 6 minutos, o líder russo respondeu cerca de 60 perguntas do jornalista que é considerado um dos principais porta-vozes da extrema direita trumpista dos EUA.
A conversa entre Putin com o ex-apresentador da emissora de extrema direita Fox News e um dos comentaristas conservadores mais proeminentes e polêmicos dos EUA, foi gravada em um salão dourado no Kremlin, sede do governo russo, em Moscou.
A entrevista, realizada na terça-feira (6), foi a primeira de Putin com um meio de comunicação ocidental desde o início da guerra da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022, e a primeira com a imprensa dos EUA desde 2021.
Domínio da China sobre BRICS é “história de bicho-papão”
O comentário de Putin sobre a China foi feito ao ser questionado por Carlson sobre a possibilidade de os BRICS – bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e que acaba de anunciar a adesão de cinco novos integrantes, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Egito – serem subjugados pela crescente influência econômica de Pequim.
“É uma história de bicho-papão. Nós somos vizinhos da China. Você não pode escolher vizinhos assim como não pode escolher parentes próximos. Compartilhamos uma fronteira de mil quilômetros com eles […] temos uma história de coexistência de séculos, estamos acostumados com isso […] a filosofia de política externa da China não é agressiva. Sua ideia é sempre buscar o compromisso, e podemos ver isso. Sempre nos contam a mesma história do bicho-papão.”, afirmou Putin.
Putin chamou o presidente chinês, Xi Jinping, de “colega e amigo” e destacou o crescimento do comércio bilateral entre Rússia e China. Ele acrescentou que o volume de negócios entre os dois países está equilibrado e é mutuamente complementar em alta tecnologia, energia, pesquisa científica e desenvolvimento.
“Nós, juntamente com meu colega e amigo, o presidente XI Jinping, estabelecemos a meta de alcançar US$ 200 bilhões em comércio mútuo com a China este ano. Ultrapassámos este nível”, disse o presidente russo.
De acordo com a Administração Geral das Alfândegas da China, o comércio bilateral sino-russo subiu 26,3% em 2023, atingindo um recorde de US $ 240,11 bilhões. As exportações da China para a Rússia cresceram 46,9%, para US$ 110,97 bilhões, e as importações subiram 12,7%, chegando a US$ 129,14 bilhões.
O presidente russo citou ainda que a economia da China se tornou a primeira economia do mundo em paridade de poder de compra e que, em termos de volume, ela ultrapassou os EUA há muito tempo.
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Putin enfatizou que o ritmo com que a cooperação da China com a Europa está crescendo é maior e mais rápido do que o crescimento da cooperação entre China e Rússia.
“Pergunte aos europeus, eles não têm medo? Eles podem ter, eu não sei. Mas eles ainda estão tentando acessar o mercado chinês a todo custo, especialmente agora que estão enfrentando problemas econômicos. As empresas chinesas também estão explorando o mercado europeu”, provocou.
BRICS em ascensão é como o nascer do sol
A Rússia assumiu a presidência do BRICS neste ano de 2024, citou Putin. Ele comentou que os países do bloco estão, em geral, em rápido desenvolvimento.
“Em 1992, creio eu, a participação dos países do G7 na economia mundial era de 47%, e em 2022 caiu para algo em torno de 30% e poucos. A participação dos países do BRICS em 1992 era de apenas 16%, e agora está acima do nível do G7”, pontuou Putin.
A explicação do presidente russo para o aumento da relevância de países em desenvolvimento do BRICS são as “tendências do desenvolvimento global e da economia mundial”.
“Isso é inevitável. Isso continuará acontecendo. É como o nascer do sol. Você não pode impedir o sol de nascer. Você tem que se adaptar a ele. Como os Estados Unidos se adaptam? Com a ajuda da força, sanções, pressão, bombardeios e uso de forças armadas”, alfinetou.
Putin enfatizou que é crucial para os Estados Unidos reconhecerem as mudanças objetivas em curso no mundo. Em vez de confiar unicamente em medidas coercitivas e militares, o presidente russo sugere que a elite política estadunidense precisa tomar decisões competentes e oportunas para preservar seu status, mesmo que isso signifique abrir mão de aspirações de dominação.
Entrevista badalada
A longa conversa entre Putin e Carlson foi ao ar na noite de quinta-feira (8) no perfil do jornalista no X (antigo Twitter). A entrevista já acumulou mais de 127 milhões de visualizações até a tarde desta sexta-feira (9). No canal do YouTube de Carlson, já foi visualizada mais de 6,4 milhões de vezes.
O presidente russo comentou sobre o conflito na Ucrânia, as relações entre Rússia e EUA, a expansão da OTAN, a explosão dos gasodutos Nord Stream, desenvolvimentos na inteligência e a detenção do jornalista estadunidense do Wall Street Journal, Evan Gershkovich, acusado de espionagem.
Carlson pressionou Putin a libertar Gershkovich. O presidente russo respondeu que “o diálogo continua” sobre o destino do correspondente estadunidense na Rússia, insinuando que o Kremlin estava aguardando uma oferta favorável dos Estados Unidos para libertá-lo como parte de uma troca de prisioneiros.