A crise, além de climática, é política e econômica

Longe de serem uma exclusividade brasileira, extremos climáticos são uma realidade pelo mundo e exigem medidas urgentes

(Foto: Lucio Tavora/Xinhua)

Mais uma semana de sofrimento dos gaúchos que continuam sob os impactos extremos das mudanças do clima. Entre dezenas de mortos e milhares de desabrigados, fazemos o exercício de olhar para outros países, entendendo que os fenômenos climáticos não são uma exclusividade brasileira.

No último mês, fortes chuvas também atingiram os vizinhos Uruguai e Argentina, que dividem fronteira com o Rio Grande do Sul. Zonas das províncias argentinas Entre Ríos e Corrientes registraram mais de 500 desalojados e o Sistema Nacional de Emergência uruguaio calcula que mais de 3 mil pessoas foram deslocadas por conta das enchentes que afetam nove dos 19 departamentos do país.

Fora da América Latina, o Afeganistão vivenciou cheias históricas que já deixaram ao menos 300 mortos e mais de 600 mil afetados.

De outros países também vêm vozes críticas de investigadores do tema, que não hesitam em diagnosticar razões e apontar responsáveis pelas tragédias relacionadas ao clima.  

Ao Brasil de Fato, a pesquisadora Claudia Marín Súarez, que coordena a equipe da América Latina e do Caribe do Centro de Pesquisa de Política Internacional de Cuba (CIPI), lembrou que países europeus e os EUA são, historicamente, os principais responsáveis pelo aquecimento do planeta.

“O Sul Global não tem as mesmas responsabilidades pelo nível de degradação ambiental. Há um acúmulo histórico de emissões de carbono, com base no padrão de desenvolvimento e consumo, que é de responsabilidade principalmente dos países do Norte”, defende.

O quadro é cada vez mais claro: a crise, além de climática, é política e econômica, o que a torna sistêmica. Se quisermos atingir as metas estipuladas pelo Acordo de Paris, são necessárias medidas urgentes e drásticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, o que implica interromper ou regular uma série de atividades econômicas bilionárias que envolvem interesses privados de várias nacionalidades.

Uma das vozes mais contundentes para alcançar esse plano vem da Colômbia, onde o presidente Gustavo Petro vem defendendo a transição energética com urgência. A posição do mandatário de esquerda, entretanto, se explica pela situação vulnerável: segundo projeções, o país deve perder a autossuficiência em petróleo em menos de oito anos.

Já a China, cuja região sul registrou mais que o dobro do nível normal de precipitações para abril, aposta em soluções inovadoras e em larga escala para se prevenir de enchentes.

Uma delas são as chamadas cidades-esponja, regiões inteiras onde o controle do escoamento é bem maior, aumentando a capacidade de absorver, reter e liberar as águas da chuva quando necessário. Os mecanismos que tornam isso possível são a construção de estradas e calçadas com materiais permeáveis, telhados verdes e zonas de amortecimento (ou tampão) de vegetação.

Por outro lado, o país asiático também investiu na construção de diques e reservatórios. Segundo dados divulgados pelo governo em 2024, os mais de 4,5 mil reservatórios de grande e médio porte distribuídos por todo o país conseguiram controlar 60,3 bilhões de m³ de águas das enchentes em 2023. Isso significou uma redução de inundações em 1.299 cidades e vilas e em 1 milhão de hectares de terras aráveis, evitando que 7,21 milhões de pessoas fossem deslocadas.

Da China também veio solidariedade, quando a ex-presidenta do Brasil e atual chefe do Banco dos Brics, Dilma Rousseff, anunciou o envio de US$ 1,11 bilhão, o equivalente a R$ 5,75 bilhões, para o estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de reconstruir a infraestrutura urbana e rural nos municípios atingidos pelas enchentes.

“Queremos ajudar as pessoas a reconstruírem suas vidas”, disse Dilma. Outros atos e palavras de apoio vieram de mais partes do mundo.

Os países da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba), entre eles Venezuela, Bolívia, Cuba e Nicarágua, se mostraram solidários às vítimas e ofereceram apoio ao Brasil. Colômbia, Chile, Portugal, Uruguai, Emirados Árabes Unidos e até a Argentina, do direitista Javier Milei, enviaram ajuda humanitária ao Rio Grande do Sul.

Em meio a tantos, um exemplo de solidariedade em particular me chamou a atenção: a comunidade palestina da cidade gaúcha de Santana do Livramento (RS) se mobilizou para enviar mantimentos, roupas, mantas e itens de higiene pessoal às regiões atingidas pelas enchentes no estado.

São palestinos e gaúchos ligados pelo luto: “Nós sabemos da dor e ela é forte”, disse ao Brasil de Fato Kais Hussein, jornalista e jovem palestino da cidade.

“Em Gaza, na Cisjordânia, em todo o território palestino ocupado, nós sentimos essa dor há 75 anos e agora, nesse exato momento, mais sete meses de genocídio”, afirmou Hussein, ao mesmo tempo em que o número de mortos em Gaza superou os 35 mil.

Enquanto escrevia, me lembrei de Zelão, protagonista da fantástica canção homônima de Sérgio Ricardo que descreve com maestria o flagelo de um vitimado por uma enchente: “Que um pobre ajuda outro pobre até melhorar”.

Que as vítimas se unam e se ajudem cada vez mais até pararem de sê-las. E você pode colaborar doando para as organizações que fizerem sentido para você. Aqui estão nossas sugestões

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