A investigação dos Estados Unidos sobre a origem do coronavírus e sobre a gestão da pandemia pela China surge como uma nova ferramenta para o presidente americano, Joe Biden, aumentar a pressão global sobre o governo chinês, maior rival geopolítico dos americanos.
O democrata levantou dúvidas sobre o surgimento do vírus a cerca de 15 dias do encontro do G-7, no qual a ambição da Casa Branca é conseguir uma declaração unificada dos aliados sobre a China, com questionamento sobre práticas econômicas, militares e de direitos humanos do país.
As informações da inteligência americana até o momento, segundo o governo, não indicam qual das teorias é a mais plausível: a da transmissão natural do vírus de um animal para humano ou a de uma fuga acidental no laboratório de Wuhan. O novo relatório de inteligência requisitado por Biden não estará pronto antes do G-7. Mas, com o anúncio, o americano acalma os ânimos internamente e coloca um novo holofote internacional sobre Pequim.
“O tratamento do vírus pela China no início deve ser um tópico de conversa entre os líderes do G-7. E eu não ficaria surpreso se eles fizessem alguma referência em seu comunicado à necessidade de um estudo mais aprofundado sobre o assunto”, afirma Matthew Goodman, vice-presidente do Center for Strategic and International Studies (CSIS), um dos principais centros de estudo em assuntos internacionais de Washington.
O grupo, formado por Alemanha, EUA, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido, nunca convidou a China, segunda maior economia do mundo, para fazer parte do fórum. No entanto, a reunião marcada para começar no dia 11 deve ter a potência asiática como pano de fundo das principais discussões.
O objetivo americano é obter uma declaração clara de condenação internacional à repressão de uigures e outras minorias étnicas muçulmanas na região de Xinjiang. Mas os EUA também trabalham para que o texto tenha condenações a práticas comerciais dos chineses, além de menções à situação de Taiwan e à disputa no Mar do Sul da China, por exemplo.
Desde que assumiu a Casa Branca, Biden deixou claro que contaria com o apoio de aliados ao lidar com a China – uma diferença do antecessor, Donald Trump. Os únicos dois encontros presenciais com líderes estrangeiros realizados na Casa Branca desde a posse de Biden, em janeiro, foram com o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e com o primeiro-ministro do Japão, Yoshihide Suga.
Desde a posse, o Departamento de Estado vem trabalhando no estreitamento de uma aliança e presença americana na região. A guerra comercial saiu das manchetes, quando o tema é a briga entre as duas potências, mas não porque tenha deixado de existir. Biden não revogou tarifas impostas por Trump, mas é menos estridente ao tratar do assunto.
Apesar de a disputa econômica ser pano de fundo para as principais políticas do presidente – e motor para suas ambições de agenda sustentável e renovação da infraestrutura americana -, ele tem buscado a convergência com aliados nos pontos que acredita ser possível uma pressão conjunta.
Depois do primeiro encontro da representante comercial dos EUA, Katherine Tai, com sua contraparte chinesa, a americana afirmou que os dois países têm “desafios muito grandes”. A temperatura foi mais quente na primeira reunião entre diplomatas dos dois países, em março, quando os americanos colocaram na mesa questões como o tratamento aos muçulmanos e a liberdade em Hong Kong. Na época, a gestão da pandemia ficou de fora da conversa.
“Biden está tentando trabalhar com aliados para desenvolver uma estratégia comum. Ele fortaleceu a cooperação militar e se alinhou com a Europa em questões como direitos humanos”, afirma David Dollar, que foi emissário do Tesouro americano na China entre 2009 e 2013, e é integrante do centro de estudos John L. Thornton China Center, no Brookings Institute. “Mas os EUA não têm uma política coerente sobre como trabalhar economicamente com a China, e todos os aliados dos americanos estão determinados a fortalecer suas relações econômicas com os chineses”, diz Dollar.
Ele acredita que a principal motivação de Biden para determinar um relatório de inteligência sobre as origens do vírus seja interna, diante da pressão doméstica – de republicanos e de democratas -, depois da revelação de que três pesquisadores do laboratório de virologia de Wuhan ficaram seriamente doentes ainda em novembro de 2019, a ponto de precisarem de internação hospitalar.
O diretor do Laboratório Nacional de Biossegurança de Wuhan nega a informação e o governo chinês acusa os americanos de politização da pandemia. A Embaixada da China em Washington classificou como “conspiração” a hipótese de que o vírus tenha surgido após um vazamento no laboratório de Wuhan.
A informação sobre a hospitalização de funcionários do laboratório na província chinesa foi passada aos EUA por uma nação aliada, segundo o jornal The New York Times. Na visão da Casa Branca, chamar a atenção da comunidade internacional para o assunto pode dar melhores resultados para as próprias investigações com maior pressão sobre a Organização Mundial da Saúde e a junção de informações obtidas por aliados por meio de informantes.
Mary Gallagher, diretora do Instituto Internacional na Universidade de Michigan e professora do Centro para Estudos Chineses, da mesma instituição, também afirma que o anúncio de Biden foi estimulado pela necessidade de dar uma resposta doméstica à preocupação crescente com a teoria de que a pandemia foi consequência de um vazamento no laboratório de Wuhan.
Ela pondera, no entanto, que a questão deve ajudá-lo no campo internacional, especialmente se Pequim não cooperar. “Tenho certeza de que o governo Biden tem pouca expectativa de que a China permitirá que tal investigação prossiga. Isso deve jogar a opinião pública internacional ainda mais contra a China”, afirma Gallagher.