O Equador empossou um novo governo em novembro passado, após uma campanha eleitoral violenta, que provocou inclusive a morte de um dos candidatos à presidência. Mas a violência continua na ordem do dia e vem se agravando desde o fim de semana, com a fuga de um líder do crime organizado, rebeliões em presídios e ataques contra policiais e uma emissora de televisão.
O presidente Daniel Noboa, que havia decretado estado de exceção e toque de recolher na segunda-feira (8), reforçou a decisão nesta terça (9) ao declarar estado de conflito armado interno em nível nacional e ordenar às forças militares a neutralização de grupos criminosos. Além disso, decretou que 22 grupos do crime organizado transnacional sejam considerados organizações terroristas e atores não estatais beligerantes. Também ordenou às Forças Armadas a execução de operações militares, de acordo com o direito internacional humanitário e respeitando os direitos humanos, para neutralizar os grupos.
Noboa disse que sua gestão “não negociará com terroristas” e “não descansará até devolver a paz” aos equatorianos. “O que estamos vendo nas prisões do país é resultado da nossa decisão de enfrentar [os criminosos].”
Os sindicatos que integram a Frente Unitária de Trabalhadores (FUT) criticaram o presidente. Disseram que ele tomou medidas semelhantes às do governo anterior, que não obtiveram resultados, pois “continuamos na mesma situação: a criminalidade, o tráfico de drogas, os atentados e as mortes, incluindo trabalhadores, professores, donas de casa…”.
Os sindicatos exigem que o governo resolva os problemas de insegurança. “O presidente Noboa está se tornando o 2.0 do presidente Lasso. Dizemos isso porque as medidas e decisões que ele está tomando não estão dando resultado. Cara nova, mais do mesmo”, disse José Villavicencio, líder do FUT.
Rebeliões
Adolfo Macías Villamar, conhecido como “Fito”, líder do grupo criminoso Los Choneros, fugiu da prisão no último domingo (7). Ato contínuo, rebeliões foram registradas em vários presídios do país, com agentes penitenciários sendo feitos reféns, e o presidente Noboa decretou estado de exceção, que vale por 60 dias e permite que as Forças Armadas auxiliem o trabalho da polícia nas ruas do país. Haverá toque de recolher das 23h às 5h e restrições aos direitos de reunião e privacidade de domicílio e de correspondência. Ou seja, as autoridades podem entrar na casa das pessoas mesmo sem ordem judicial.
Desde então, vários incidentes, como explosões e sequestros de policiais, foram registrados em diferentes localidades do país. Na cidade de Cuenca (sul), um veículo sem placa foi abandonado, incendiado e completamente incinerado. Bombeiros foram chamados ao local para controlar as chamas. Em Machala (sudoeste), de acordo com informações preliminares, cerca de oito indivíduos com os rostos cobertos por balaclavas, portando armas curtas e longas, invadiram a Unidade de Polícia Comunitária (UPC) e dominaram três policiais.
Na capital Quito, criminosos num veículo sem identificação também sequestraram um oficial numa unidade da polícia. Minutos depois, circulou nas redes sociais um vídeo que mostra o policial pedindo ajuda, com um arma apontada contra ele.
Invasão transmitida ao vivo
A mídia também foi alvo de ataques. Em Guaiaquil, cidade mais populosa do país, o estúdio da emissora de televisão TC foi invadido na tarde desta terça-feira (9) por um grupo de homens durante uma transmissão ao vivo. Funcionários dispararam mensagens pelas redes sociais para pedir ajuda à polícia. “Ajudem-nos, querem nos matar”, escreveu um deles no WhatsApp.
Imagens divulgadas nas redes sociais mostram pessoas rendidas deitadas no chão enquanto outras são ameaçadas com armas na cabeça e objetos que se parecem com granadas e dinamites (abaixo). Segundo a transmissão do canal Telesur, foi possível ouvir o som de uma explosão. No final da tarde, a polícia já havia chegado ao local. Os invasores prometiam fazer um pronunciamento.
Luxo na prisão
“Fito” costumava viver em uma cela luxuosa, e isso veio a público em agosto de 2023, quando Guillermo Lasso ordenou sua transferência do Centro de Reabilitação Social Guayas nº 4, também conhecido como presídio Regional, para La Roca, considerada de segurança máxima.
Na Regional, sua cela tinha banheiro privado, chuveiro com água quente, geladeira, cama de três lugares e armário embutido, além de televisão, ar-condicionado e garrafas de champanhe avaliadas em 500 dólares cada uma. A situação foi divulgada em vídeos e fotos que se tornaram virais.
No entanto, sua estadia na prisão La Roca foi curta, pois uma decisão judicial determinou seu retorno para a Regional por questões de segurança. Desde então, permanecia lá, até que no domingo surgiu o alerta sobre seu desaparecimento. O Ministério Público abriu investigação sobre a suposta evasão.
Indiscrição
O secretário de Comunicação do Governo, Roberto Izurieta, reconheceu que a fuga de “Fito” pode ter sido motivada por vazamento de informações sobre planos do governo. Dias atrás, em uma entrevista, o presidente Noboa declarou: “Temos um plano bonito, mas não conte isso para o Fito…”, algo que especialistas em segurança consideram um erro.