Um reencontro com o Império do Meio: os aspectos políticos da ida de Lula à China

A visita do presidente Lula à China finalmente ocorrerá entre 11 e 15 de abril, após ter sido adiada durante o mês de março em função de problemas de saúde do mandatário brasileiro, que se recuperava de um quadro de pneumonia leve.

(Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

Com o adiamento, aumentou ainda mais a expectativa em torno do futuro encontro entre Lula e Xi Jinping, que ocorre em meio a um novo tempo do mundo. De fato, muita coisa já não é mais a mesma desde que Lula deixou a presidência do Brasil em 2010.

Uma dessas mudanças diz respeito à crescente contestação do papel do dólar no cenário internacional, algo que ainda não estava tão à vista há cerca de uma década atrás.

Tudo isso por conta das políticas erráticas dos Estados Unidos de utilizarem-se do dólar como arma de coerção política, além de prejudicarem a confiança nas instituições financeiras multilaterais nas quais possui predominância em vista da aplicação de sanções unilaterais contra terceiros países, sem a devida anuência do Conselho de Segurança da ONU.

Diante desse contexto, a visita de Lula à China se dá em meio a conversações entre os dois governos acerca do aprofundamento de sua cooperação econômica baseada no uso do yuan como moeda de comércio bilateral e de empréstimos, diminuindo assim a importância do dólar no sistema.

Além disso, o papel do dólar como moeda de reserva global também passa por contestação, e o Brasil tem se movimentado para diminuir – ainda que lentamente, é verdade – sua dependência desse ativo. Como alternativa, o país tem olhado justamente para o yuan chinês, que se tornou recentemente a segunda principal moeda (com 5,37% do total) das reservas internacionais brasileiras.

Segundo relatório recente emitido pelo Banco Central do Brasil, o yuan ultrapassou em importância outras moedas tradicionais como o euro (4,74%), a libra esterlina (3,15%) e o iene japonês (1,86%). Este movimento é mais um indicativo das mudanças em curso no plano global, e tanto o Brasil de Lula quanto a China de Xi Jinping já vêm se adaptando a esse novo tempo do mundo.

Outro fator em transformação nas relações internacionais contemporâneas diz respeito a um processo de disputa hegemônica em curso entre Estados Unidos e China. De 2010 para cá a posição internacional de Pequim alterou-se significativamente e o país tem sido a principal preocupação dos americanos, tementes pela perda de sua liderança em assuntos globais.

Comentando sobre este assunto, Mauro Vieira (atual ministro das Relações Exteriores do Brasil) ressaltou que Lula não deverá fazer movimentos de “alinhamento automático” a nenhuma das duas superpotências. Com efeito, países com grande importância regional como o Brasil serão instados cada vez mais a demonstrar sua disposição em aprofundar a cooperação com um ou com o outro lado.

Entretanto, a visita de um dia que Lula realizou aos Estados Unidos em fevereiro, comparada à visita programada de três dias à China, parece indicar que, ainda que não pretenda se alinhar automaticamente a ninguém, o Brasil não fará uma política de exata equidistância entre as duas superpotências.

A indicação, na verdade, é de que Lula penderá um pouco mais para o lado da China, principal parceiro comercial do Brasil e ator fundamental dentro do agrupamento BRICS. Ademais, é preciso lembrar que recentemente Dilma Rousseff (na qualidade de antiga aliada política do presidente brasileiro) foi confirmada no cargo de chefia do Novo Banco de Desenvolvimento – conhecido como Banco do BRICS – cuja sede fica justamente na cidade de Xangai, o que serve de motivo para aproximar ainda mais as lideranças dos dois países.

Em segundo lugar, no discurso político tanto de Lula quanto de Xi Jinping nota-se uma ênfase comum na diminuição da disparidade existente entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, com Brasil e China empenhando-se para combater a sub-representação das economias emergentes em instituições de tomada de decisão global. Essa mesma consonância de discursos já não é observada nas relações do Brasil com os americanos.

Para além do já exposto, a ida de Lula à China simboliza o desejo do Brasil de desempenhar papel mais ativo no mundo, reafirmando a importância de defender os princípios do multilateralismo e da multipolaridade nas relações internacionais. Diante disso, espera-se que ambos os países discutam suas posições quanto ao conflito na Ucrânia.

Por certo, embora possam divergir em alguns de seus entendimentos acerca do assunto, ambos compreendem a ineficácia das “abordagens unilaterais” empreendidas até aqui pelo Ocidente para a solução do conflito. O Ocidente quer a continuação das hostilidades, Brasil e China, por outro lado, anseiam pelo seu término.

Por fim, a grande comitiva de empresários que Lula levará para a China serve como sinal de que o Brasil ambiciona manter e ampliar os frutos de sua cooperação bilateral com Pequim. Aqui, no entanto, deparamo-nos com outra mudança relevante em comparação aos dois primeiros mandatos de Lula à frente do poder. No período de 2003 a 2010, a China cresceu a impressionantes 11% ao ano, enquanto o Brasil cresceu cerca de 4% em média no mesmo intervalo.

Aquele foi um tempo em que o Brasil se tornou um dos principais fornecedores de commodities – sobretudo minério de ferro e petróleo – para o mercado chinês, essenciais para o crescimento econômico de Pequim nos anos 2000, o que surtiu um efeito positivo no próprio crescimento do PIB brasileiro.

Nos últimos anos, porém, o crescimento chinês sofreu relativa desaceleração (com elevação no PIB de cerca de 6,11% ao ano), enquanto o Brasil passou por uma estagnação econômica (tendo crescido em média apenas 0,28% ao ano entre 2016 e 2021), resultado de sucessivas crises políticas domésticas e também como consequência da crise da COVID-19.

Logo, esperar uma multiplicação nos ganhos com o comércio bilateral similar à do período 2003-2010 talvez não seja possível, mas isso de forma alguma significa que as relações com a China durante o terceiro mandato de Lula não serão marcadas por continuados benefícios mútuos, tanto no âmbito da complementaridade econômica entre os dois países como dos investimentos estrangeiros chineses no Brasil.

Dado esse contexto, continua valido dizer que a China terá papel-chave nessa (re)inserção econômica – e por que não dizer política – do Brasil no mundo. Reinserção essa, aliás, que para muitos começa justamente com esse reencontro de Lula com o Império do Meio.