Tiro da guerra comercial sai pela culatra e Brasil captura mercado dos EUA na China, diz analista

Após perderem a liderança nas exportações de soja e trigo, EUA amargam mais uma derrota ao ser ultrapassados pelo Brasil no mercado mundial de milho. Saiba por que o diretor-geral da Associação Nacional de Exportadores de Cereais do Brasil, Sergio Mendes, acredita que o Brasil não será desbancado dessa liderança tão cedo.

O Brasil superou os Estados Unidos e se tornou o maior exportador mundial de milho no ano agrícola de 2023, que se encerrou no mês de agosto. A constatação é do próprio Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês).

A perda da liderança dos EUA no mercado de milho é mais uma derrota para a agricultura norte-americana, que nas últimas décadas já cedeu o primeiro lugar nas exportações de soja e trigo para Brasil e Rússia, respectivamente.

Dados recentes indicam que os EUA respondem por somente um terço das exportações mundiais de soja, bastante abaixo do patamar brasileiro. No mercado de trigo, os antigos líderes de exportação, EUA, agora amargam o quinto lugar no ranking global, conforme reportou a Bloomberg .

Tudo indica que a perda da liderança dos EUA na exportação de milho tampouco será revertida. No último ano, o Brasil respondeu por 32% das exportações mundiais do grão, enquanto os EUA, que tradicionalmente ocupam a liderança mundial no segmento, ocuparam somente 23% do mercado.

Os dados norte-americanos ainda indicam que o Brasil exportou 56 milhões de toneladas de milho, enquanto os norte-americanos venderam somente 41,277 milhões.

De acordo com o diretor-geral da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais do Brasil (ANEC), Sergio Mendes, o Brasil tem potencial para se manter na liderança nos próximos anos.

“Não vejo obstáculos para que nós sigamos na liderança, a não ser que ocorra algum evento climático inesperado”, disse Mendes à Sputnik Brasil. “A tendência futura para a cultura de milho brasileira é de crescimento.”

Segundo ele, o milho foi incorporado pelos produtores de soja como cultura intermediária da soja, cultivada no período da entressafra.

“Os produtores buscaram a cultura ideal para ser plantada no período da entressafra da soja, usando o mesmo solo. E o milho tem se revelado como o parceiro ideal”, explicou Mendes. “Essa é talvez a principal razão que levou o milho a alcançar a posição na qual está hoje.”

sócio diretor da Consultoria Markestrat, especializada em estratégia de agronegócios, José Carlos de Lima Júnior, ainda aponta para o aumento do emprego de tecnologia na cultura de milho brasileira.

“Antes não tínhamos o nível de aplicação de tecnologia por hectare no milho”, disse Lima Junior à Sputnik Brasil. “Atualmente, o produtor percebeu que o milho pode ser muito mais do que uma cultura de recomposição de solo e, de fato, trazer receita efetiva. Por isso passou a investir em tecnologia, principalmente no termo de sementes.”

Competição com os EUA

Os EUA ocuparam a liderança na exportação mundial de milho por décadas. Historicamente, o Brasil só havia superado os EUA nessa cultura uma vez, em 2013. Um dos obstáculos para as exportações dos EUA é que Washington precisa, antes de mais nada, garantir o abastecimento do seu mercado interno.

“O mercado interno brasileiro não é tão relevante quanto o dos EUA, por isso nossa produção pode ser em grande parte revertida para a exportação”, disse o diretor da ANEC, Sergio Mendes. “Isso dá a segurança ao importador de que o fornecimento de milho brasileiro é garantido.”

Além disso, os EUA enfrentaram dificuldades em função da instabilidade dos preços dos fertilizantes nitrogenados, que Washington importava sobretudo do Canadá, necessários para o cultivo do milho.

“O produtor norte-americano teve que fazer uma decisão de safra no mesmo momento de encarecimento da produção de nitrogenados e instabilidade de preços, o que o levou a diminuir a área plantada de milho e aumentar a área de soja”, explicou o consultor Lima Júnior.

Fator China

A guerra comercial iniciada pelo presidente Donald Trump contra a China também pode ter refletido negativamente nas exportações norte-americanas de milho.

“O embate comercial entre EUA e China persiste até os dias atuais, já que mesmo com a entrada de Biden foram mantidas diretrizes protecionistas”, disse Lima Júnior. “A consequência foi que os EUA acabaram exportando menos e o Brasil capturou uma parte do mercado que antes era dos norte-americanos.”

Apesar dos tropeços na gestão interna dos EUA, a demanda chinesa de grãos com certeza é fator determinante para definir quem será o principal exportador mundial de milho. A China apostou ativamente no Brasil como um fornecedor de milho alternativo aos EUA ao selar acordo bilateral, em 2022, para garantir o aumento do comércio bilateral de grãos.

O resultado foi um aumento significativo das exportações brasileiras de milho para a China. Se, em julho de 2022, a China não havia exportado nenhuma tonelada de milho brasileiro, no mesmo mês de 2023 Pequim foi a principal compradora, importando 902.000 toneladas.

A China consolida sua posição de principal compradora do agronegócio brasileiro, o que não traz prejuízos para o produtor, acredita o consultor Lima Júnior.

“Não vejo problemas em o Brasil ter um parceiro comercial principal. O problema é deixar de abrir outras frentes de negócios, com outros países, só porque temos um parceiro-chave na mão”, considerou Lima Júnior. “A China sabe o que quer do Brasil, mas o Brasil não sabe o que quer da China.”

No curto e médio prazo, no entanto, o papel da China seguirá fundamental para o milho produzido no Brasil. Se anteriormente, a demanda chinesa por milho era suprida principalmente por Washington, Brasília e Buenos Aires, com a quebra de safra argentina, as exportações para a China entre 2022 e 2023 acabaram sendo praticamente dominadas pelo agronegócio brasileiro.

O diretor-geral da ANEC, Sergio Mendes, reconhece que o sucesso brasileiro pode ter causado prejuízo para os principais concorrentes do país, mas credita o bom desempenho do milho ao planejamento realizado nacionalmente.

“A nossa safra de milho foi muito boa. Esse crescimento foi um projeto bem sustentado e planejado ao longo dos anos. Não precisamos da infelicidade dos outros para crescer, que isso fique bem claro“, concluiu o diretor-geral da ANEC.