Possíveis caminhos para a política externa de Lula no 3º mandato

Com o retorno de Lula ao poder, o Brasil se prepara para uma nova (re)inserção do país no plano global. Mas quais deverão ser os caminhos trilhados por Brasília no objetivo de recobrar seu papel "mais altivo" nas relações internacionais?

A resposta pode estar em uma entrevista recente concedida pelo atual ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira. Nela, Vieira delineou os possíveis caminhos da política externa de Lula em seu terceiro mandato, mencionando que a “doutrina Lula” deverá se basear numa “recuperação da imagem do Brasil” no mundo.

Com isto, o país seguirá novamente sua tradição diplomática de diálogo com todos os tipos de interlocutores, independentemente de orientação política.

A observação do chanceler brasileiro visou contrastar a atuação historicamente multilateral do Brasil nas relações internacionais com o período da administração anterior de Jair Bolsonaro, pautada por aproximações bilaterais com líderes de Estado mais ideologicamente alinhados ao ex-presidente.

Compete lembrar que, no decorrer do governo Bolsonaro, o Brasil concentrou-se em estreitar laços com os Estados Unidos de Donald Trump, assim como com Israel, liderado por Benjamin Netanyahu. Nesse processo, o Brasil acabou alienando outras relações importantes do país, especialmente com parceiros em regiões como América Latina, Oriente Médio, Ásia e África.

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de abertura do Encontro Empresarial Brasil-Argentina, 23 de janeiro de 2023 (Foto / Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert / CC BY 2.0)

De começo, o retorno do Brasil para o quadro da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) realizado no início desse ano já aponta para um revigoramento dos laços políticos do Brasil com os países latino-americanos.

Com efeito, uma das diretrizes da política externa brasileira presentes em sua Constituição de 1988 é a de fomentar a integração e a “formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Ao comentar sobre China, Mauro Vieira observou que o país asiático modificou significativamente sua posição internacional ao longo dos últimos anos, tornando-se uma “superpotência”, destacando o fato de o Brasil — assim como a maioria dos países da América Latina — terem na China seu principal parceiro comercial.

A administração anterior de Jair Bolsonaro, em contrapartida, vivenciou determinados desentendimentos diplomáticos com os chineses, sobretudo com relação à pandemia da COVID-19, com associados próximos ao presidente (além de seu próprio filho, o deputado Eduardo Bolsonaro) suscitando a suspeita de que a China teria espalhado o vírus pelo mundo “por razões econômicas e geopolíticas”, discurso esse que ecoava as suspeitas levantadas por Trump nos Estados Unidos.

Parte desse processo de “recuperação da imagem do Brasil“, portanto, passa pela reaproximação diplomática com a China pretendida pelo governo Lula. Com isto, a China deverá representar um importante vetor para as relações internacionais do país, com a continuidade nas relações comerciais bilaterais a ser marcada pela exportação de commodities brasileiras (sobretudo minério de ferro, petróleo e produtos agropecuários) ao mercado chinês.

No contexto do conflito na Ucrânia, Mauro Vieira chamou a atenção para a paralisia do Conselho de Segurança da ONU, que demonstrou uma clara incapacidade de atuar como fator decisivo para a resolução da crise no Leste Europeu.

Vieira tocou em um ponto bastante recorrente durante os dois primeiros mandatos de Lula, a saber, na obsolescência quanto à composição do Conselho da ONU, dado que sua formação original desde 1945 já não reflete mais as realidades do mundo contemporâneo.

De acordo com o chanceler brasileiro, os mecanismos de diálogo existentes nas Nações Unidas hoje são insuficientes para que ela tenha um papel fundamental na defesa da paz mundial. A política externa de Lula, por sua vez, deverá voltar a ser atuante novamente nesse sentido, sobretudo nas discussões quanto a uma reformulação do Conselho de Segurança.

Não obstante, Vieira ainda relembrou que Lula é um dos poucos líderes mundiais que fez um chamamento à paz em relação ao conflito na Ucrânia, no intuito de que mais países possam começar a discutir de alguma forma a possibilidade de instigar todas as partes envolvidas (Rússia, Ucrânia, União Europeia e Estados Unidos) a buscar um fim definitivo para as hostilidades.

Há que se levar em conta que, após o início da conflagração militar entre Rússia e Ucrânia no começo do ano passado, a administração anterior de Jair Bolsonaro eximiu-se de tecer críticas a Putin ou mesmo de impor sanções duras contra a Rússia, apesar de o Brasil ter votado contra as ações de Moscou na ONU.

Lula, por sua vez, demonstrou entender que os dois lados seriam responsáveis pelo conflito, e que o Brasil não deseja prejudicar suas relações nem com a Ucrânia nem muito menos com a Rússia (seu parceiro no BRICS). O governo Lula também realizou uma importante sinalização política quando se recusou a enviar munições e armamentos para a Ucrânia após sofrer pressão por parte de alemães e americanos, reforçando o papel do Brasil como um defensor da “resolução pacífica de conflitos”.

Por fim, Mauro Vieira ressaltou que a política externa de Lula em seu terceiro mandato não deverá ser pautada em “alinhamentos automáticos”, sendo guiada unicamente pelo interesse nacional brasileiro dentro e pela afirmação da importância do multilateralismo nas relações internacionais.

Atualmente, vemos surgir uma oposição cada vez mais clara entre os Estados Unidos e a China, que periga envolver também outras potências regionais (como o Brasil) e demais potências menores dentro do sistema. Diante desse contexto, Vieira apontou para as boas relações que o Brasil tem com ambos os atores, indicando que Lula não deverá fazer movimentos muito bruscos de alinhamento nem a um nem a outro.

A posição geográfica do Brasil, nesse caso, torna-se um fator decisivo. Historicamente o país sofreu uma forte influência cultural e política dos Estados Unidos, além de ter sido alvo de intervenções externas dos americanos em seus assuntos domésticos por mais de uma vez ao longo de sua história.

Por outro lado, o Brasil dos anos Lula se viu mais próximo da Ásia e sobretudo da China no âmbito de sua cooperação econômica com Pequim, assim como por sua participação ativa no BRICS.

Reunião ampliada entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o então presidente da China, Hu Jintao, realizada antes da II Cúpula de Chefe de Estados e de Governo do IBAS, 15 de abril de 2010 (Foto / Gustavo Ferreira / MRE do Brasil)

Logo, embora não pretenda realizar alinhamentos automáticos (como ocorrera na administração anterior) a nenhuma das duas superpotências (Estados Unidos e China) hoje em competição, o Brasil possui sim condições de desempenhar um papel relevante como uma potência regional responsável (e potencial líder do Sul Global) dentro do sistema internacional, reafirmando a importância de defender os princípios do multilateralismo, da paz e da oposição a quaisquer tipos de “abordagens unilaterais” para a solução dos conflitos e dos problemas que o mundo enfrenta nessa terceira década do século XXI.