O Fórum de Cooperação China-África (Focac, na sigla em inglês), recentemente celebrado em Pequim, aprovou dois documentos: a Declaração de Pequim e o Plano de Ação de Pequim 2025-2027.
A declaração trouxe o compromisso de construir, em forma conjunta, uma “comunidade China-África para todos os climas com um futuro compartilhado para a nova era”, elevando a parceria estratégica que havia sido anunciada em 2018.
Já o plano de ação confirmou as dez medidas que o presidente chinês Xi Jinping anunciou durante a abertura do fórum e desenvolveu uma série de entendimentos comuns para a cooperação em diversas áreas: segurança, desenvolvimento de talentos, troca de experiências de governança, combate à corrupção, redução da pobreza, desenvolvimento rural, entre muitos outros.
As dez áreas, que contarão com um financiamento por parte da China de 360 bilhões de yuans (equivalente a mais de R$ 285 bilhões, divididos em empréstimos, assistência e investimentos de empresas chinesas), são: aprendizado mútuo entre civilizações, comércio, cooperação da cadeia industrial, conectividade, cooperação para o desenvolvimento, assistência médica, revitalização rural e bem-estar do povo, intercâmbios entre povos, desenvolvimento verde e segurança comum.
Em entrevista ao Brasil de Fato-TVT, a ministra das Relações Exteriores do Senegal, Yassine Fall, afirmou que o espaço do Focac significa levar as relações dos países africanos para além do Ocidente. “Estamos diversificando nossas alianças, já não somos um país ou um continente que funciona olhando apenas para um lado do mundo. E a China quer que o seu povo se desenvolva, mas também quer que África se desenvolva”.
Comércio e infraestrutura
Um dos anúncios na área comercial foi o de que a China aplicará isenção a 100% das tarifas de produtos de países menos desenvolvidos que têm laços diplomáticos com a China.
O plano defende o desenvolvimento do “livre comércio” em relação ao continente africano afirma que China e África “explorarão a cooperação comercial agrícola por meio de interações entre as zonas livres de tarifas da China e as zonas de livre comércio na África”.
O Estado chinês se compromete no documento, por exemplo, a continuar apoiando o desenvolvimento da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês). A priorização de infraestruturas e conectividade é vista como um apoio também nesse sentido, já que segundo o lado chinês, facilitaria o comércio intra-africano e sino-africano.
Em relação à infraestrutura e outras áreas, o plano afirma a necessidade de sinergia entre a Agenda 2063 da União Africana (UA) e a Iniciativa do Cinturão e Rota. O presidente da UA (e presidente da Mauritânia), Mohamed Ould Ghazouani, também estava presente no fórum.
Essa cooperação conta com uma seção específica, que se refere ao Programa para o Desenvolvimento de Infraestrutura na África (PIDA). Esse programa da União Africana está em sua segunda fase que vai de 2021 a 2030, e inclui projetos específicos de rodovias, portos, ferrovias, projetos energéticos, hídricos e de infraestrutura digital (disponível aqui em francês e inglês)
Agricultura e redução da pobreza
No setor da agricultura e da alimentação, o plano inclui o equivalente a R$ 787 milhões para assistência alimentar emergencial, construção de áreas demonstrativas agrícolas e o envio de 500 especialistas em agricultura, entre outras iniciativas.
Também prevê investimentos em novos negócios, tanto de empresas chinesas como africanas. O objetivo na área de agricultura seria criar um milhão de postos de trabalho locais
Para a jornalista e analista política Li Jingjing, “[O fórum] incentivou que empresas tanto da África como da China, façam investimentos mútuos, para garantir que o valor agregado permaneça na África e que sejam criados, pelo menos, 1 milhão de empregos no continente africano”.
Desde a reunião ministerial do Focac anterior, foram implementados, entre as duas partes, 47 projetos agrícolas e de redução da pobreza na África. Agora, a China anunciou a construção de 100 vilas de demonstração para redução da pobreza “por meio do desenvolvimento agrícola”.
Outra das formas de cooperação será com o suporte chinês à mecanização da agricultura na África, “por meio de ajuda, arrendamento, gestão cooperativa e montagem de joint ventures para aumentar a eficiência da produção agrícola da África”. Também está prevista a construção de um Centro China-África para ciência e tecnologia agrícola tropical e uma parceria com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para melhorar as cadeias de valor do arroz, transformando o sistema de cultivo sustentável e a saúde do solo.
O plano indica que a China também apoiará a agricultura orgânica e a agroecologia na África, embora também afirme que “apoiará suas empresas a participar da produção localizada de fertilizantes e pesticidas”.
O apoio à formação de jovens africanos em diversas áreas do conhecimento (incluindo agricultura), é outra das prioridades.Projetos de geração e melhoria das condições de emprego na África visam resolver um problema também presente na América Latina: a fuga de talentos. Muitos países africanos têm escassez de profissionais, em parte, por conta da migração.
No ano passado, um relatório da Câmara do Reino Unido mostrou, por exemplo, que existem mais enfermeiros e enfermeiras ganesas trabalhando no sistema público de saúde britânico do que em Gana.
Yassine Fall afirma que esse aspecto é fundamental. “Permitir que jovens africanos sejam treinados para obter conhecimento por meio de transferência de tecnologia, por exemplo, permitiria que eles e elas permanecessem, mas também criaria empregos porque as pessoas ficarão [em seus países] quando tiverem empregos decentes, quando tiverem bons salários, quando tiverem boa Previdência Social, porque ninguém quer deixar sua comunidade, sua família, e ir parar num mundo desconhecido”, argumenta a ministra senegalesa.
Em 2020, a China ocupava o segundo lugar no mundo em números de estudantes africanos, com cerca de 81.500, atrás da França com cerca de 126 mil, segundo o Fundo Carnegie para a Paz Internacional, com base em dados da UNESCO.
Li Jingjing vê diferenças, porém, entre o processo de formação de jovens africanos na China e em outros países do Ocidente. “Todos os anos, centenas de milhares de estudantes de todos os países africanos vêm à China para estudar, para obter seus mestrados, doutorados, adquirir conhecimentos e voltar para contribuir com o desenvolvimento de seu país (…) em medicina, agricultura, tecnologia, [com isso] garantem que seja o povo africano quem obtenha os benefícios tangíveis dessa cooperação’.
Ainda na área da saúde, o fórum propôs a criação conjunta de uma aliança de hospitais e centros médicos.
A China anunciou que vai enviar 2 mil profissionais de saúde para o continente africano e que serão criados 20 centros de saúde e programas de tratamento da malária.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2022, a África teve 94% dos casos de malária no mundo e 95% das mortes por esta doença.
Críticas à modernização ocidental
“O que é diferente da cooperação da China com a África e de outros países com a África é que alguns países tendem a extrair os recursos, o dinheiro, as finanças, os recursos humanos da África, e ficam com esses valores agregados, esses talentos”, avalia Jingjing.
No discurso de abertura do fórum, Xi Jinping também questionou o papel do Ocidente em relação ao Sul Global.
“O processo de modernização no Ocidente trouxe grande sofrimento aos países em desenvolvimento. A busca conjunta da China e da África da modernização vai desencadear uma nova onda da modernização no Sul Global, e abrirá um novo capítulo na formação de uma comunidade com futuro compartilhado para a humanidade”, afirmou o mandatário chinês.
Essa não foi a primeira vez que Xi marcou a diferença em relação a esse aspecto. No ano passado, em um artigo publicado na revista do Comitê Central do Partido, Qiushi, ele afirmou que “o maior problema com a modernização ocidental é que ela é centrada no capital em vez de centrada nas pessoas e que ela busca maximizar os ganhos de capital em vez de servir aos interesses da vasta maioria das pessoas”.
Multilateralismo e super-representação do Norte Global
Como outros espaços multilaterais do Sul Global, o Focac defendeu “um mundo multipolar igualitário e ordenado”. O plano de ação afirma que “todos os países, independentemente das diferenças em termos de tamanho geográfico, densidade populacional e desenvolvimento socioeconômico, devem ter direitos iguais, oportunidades iguais”.
Nesse sentido, a África voltou a reconhecer que a China foi o primeiro país a apoiar a União Africana na adesão ao G20. A China, por sua vez, expressou que mais países africanos são bem-vindos a se somarem ao Brics.
O ministro de Relações Exteriores, Wang Yi, em coletiva feita com seus pares do Senegal, Yassine Fall e da República do Congo, Jean-Claude Gakosso, reiterou na coletiva o dito no plano de ação em relação a que a África é uma parceira para cooperação internacional, “não uma arena para disputa de poder”. “Não queremos jogos geográficos, nem confronto entre blocos (…) devemos insistir na igualdade e ouvir países africanos”.
No plano, a China se compromete a não interferir na exploração de caminhos de desenvolvimento bem nos assuntos internos dos países africanos. Também afirma que não colocará condições políticas à assistência à África nem “buscará ganhos políticos unilaterais em cooperação de investimento e financiamento” com o continente.
Segurança
O fórum teve 4 espaços de diálogo de alto nível sobre os assuntos: governança; industrialização, modernização agrícola e desenvolvimento verde; segurança; e cooperação no âmbito do Cinturão e Rota.
Nesta área a China prometeu fazer uma doação militar de 1 bilhão de yuans (R$792 bi) para apoio ao fortalecimento das forças armadas dos países africanos, treinamento de 6 mil militares e realização de exercícios conjuntos e treinamentos na China com 500 jovens oficiais militares africanos.
O que é o Focac
O fórum foi criado no ano 2000 como um mecanismo de diálogo e cooperação entre o continente africano e o gigante asiático. O espaço tem uma co-presidência africana rotatória que até agora era de 6 anos, agora passou a ser de 3. Assim, o Senegal co-presidiu de 2018 até este ano, e nesta edição, que foi a 9ª, a República do Congo assume como copresidente da entidade de 2024 a 2027. A Guiné Equatorial assumirá de 2027 a 2030. O lugar de realização do fórum alterna entre a China e o país africano que co-preside. A 10ª Conferência Ministerial do FOCAC será realizada na República do Congo em 2027.