Certamente, uma das características mais trágicas do conflito em Gaza é a imprevisibilidade quanto ao seu final. Levando-se em conta o enorme número de perdas humanas entre os palestinos na região, é extremamente difícil que Israel e Hamas cheguem agora a um acordo de cessar-fogo. Ainda assim, negociações parecem estar prestes a ocorrer por “debaixo dos panos” no Cairo, capital do Egito, envolvendo representantes do grupo palestino e do governo Netanyahu. Entretanto, as perspectivas a respeito dessa reunião são absolutamente incertas. O que é certo, por sua vez, é a falha da comunidade internacional em prevenir a catástrofe humanitária que se abateu sobre Gaza, demonstrando os limites do Conselho de Segurança das Nações Unidas e dos mecanismos atuais de resolução de conflitos. Para além disso, têm chamado a atenção a inflexibilidade e a intransigência de Benjamin Netanyahu em ceder às pressões domésticas e internacionais que vão se acumulando em torno da exigência de um cessar-fogo, desde o início do conflito em outubro passado.
O descontentamento popular em Israel – e no mundo como um todo – contra a atuação de Netanyahu e de Israel na guerra em Gaza só aumenta, com diversas manifestações acontecendo nas ruas do país e em grandes capitais estrangeiras. No plano doméstico, milhares de israelenses vêm cobrando maior eficácia do governo para a libertação dos reféns ainda sob poder do Hamas. De outro lado, o governo dos Estados Unidos já começa a fazer algumas insinuações de que pode diminuir o fluxo de ajuda militar a Israel caso o país não modifique a forma como vem conduzindo suas operações em Gaza, sobretudo após um recente ataque de drone israelense que causou a morte de agentes humanitários internacionais.
Enquanto isso ocorre, a oposição interna a Netanyahu ganha cada vez mais fôlego, com líderes como Benny Gantz, membro do gabinete de guerra formado pelo próprio Netanyahu em 2023, aparecendo em público para pedir a realização de eleições legislativas antecipadas em setembro. Com isso, Netanyahu se vê encurralado como nunca, tentando – com alguma dificuldade – se mostrar inabalável diante dos desafios que surgem tanto de dentro como de fora de Israel. Não obstante, o partido majoritário no parlamento de Israel, o Likud, do qual Netanyahu faz parte, também se depara com grandes dificuldades em manter a coesão da coalização governante (formada por sete partidos no total, a maior parte deles de direita). Diante desse contexto, Netanyahu não pretende ceder tão cedo aos pedidos de Gantz e aceitar eleições antecipadas para o legislativo, dado que o poder do seu partido no parlamento de Israel poderia diminuir significativamente. Bem pudera, afinal, contados seis meses de conflito na Faixa de Gaza, mais de uma centena de reféns ainda estão sob o poder do Hamas e, para piorar, a meta israelense de enfraquecer o potencial militar do grupo está longe de ser atingida. Netanyahu havia afirmado no final do ano passado que um dos planos de guerra de Israel era a destruição total do Hamas, sendo que, até agora, segundo dados das Forças de Defesa de Israel (FDI) o número de combatentes mortos do Hamas é de cerca de 13 mil. Vale lembrar que o Hamas tem uma força estimada em torno de 40 mil homens, o que demonstra o enorme caminho que Israel precisaria percorrer para neutralizar por completo a ameaça do grupo insurgente palestino.
Enquanto isso, Israel vem sendo acusado de diversos crimes de guerra e inclusive de práticas que muitos países e analistas entendem como genocídio, prejudicando – e muito – a reputação de Tel Aviv internacionalmente. Até mesmo seu principal apoiador, os Estados Unidos, bem como os países europeus, já começam a dizer que Israel chegou ao limite, dada a pressão da opinião pública internacional a respeito das atrocidades cometidas em Gaza. Por certo, em vista de tudo isso, a situação de Netanyahu não é nada fácil. Não só a resistência do Hamas continua firme, como o mundo tem testemunhado as diversas cenas verdadeiramente apocalípticas vindas de Gaza, com crianças estendendo panelas em busca de um pouco de comida e água, de mães chorando a morte de seus filhos, e de uma devastação urbana pouco antes vista na história.
O principal de tudo, sem sombra de dúvidas, são as baixas humanas entre a população palestina. O Ministério da Saúde de Gaza diz que já são mais de 33 mil mortes, a maior parte delas justamente de mulheres e crianças, algo que se mostra cada vez mais injustificável. Afinal, se levarmos em conta os números de militantes do Hamas alegadamente mortos pelas FDI, temos uma razão de três civis mortos para cada combatente morto do grupo. Logo, se o plano de Netanyahu for mesmo o de eliminar os quase 40 mil militantes do Hamas, mantendo-se a proporção de mortes civis, há a chance de que, ao final do conflito, cerca de 120 mil civis percam a vida em Gaza, o que equivale a 6% de sua população total. Não à toa, grandes potências como Rússia e China, além de países africanos, do mundo árabe e do Sul Global (incluindo o Brasil) pedem – desde outubro – por um cessar-fogo imediato na região. Infelizmente, porém, tais clamores não foram muitas vezes atendidos devido ao veto dos Estados Unidos em votações no Conselho de Segurança da ONU.
As pessoas e o mundo como um todo querem uma solução célere para o conflito, uma solução que passe – principalmente – pelo fim do massacre vivenciado pelos palestinos e que envolva também a soltura dos reféns israelenses sob poder do Hamas. Contudo, o término das operações de Israel em Gaza dependerá fundamentalmente das decisões tomadas pela liderança em Tel Aviv, cuja principal figura é cada vez mais contestada tanto dentro como fora do país. Esse é o curioso caso de Benjamin Netanyahu, que ao tentar posar de herói nacional, pode terminar a carreira como um vilão da história.
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