A morte do filósofo e “guru” do bolsonarismo Olavo de Carvalho sela um movimento que se intensificou desde 2020: o do declínio da influência da ala mais ideológica no governo de Jair Bolsonaro e a prevalência do grupo mais pragmático, identificado de forma genérica com o Centrão partidário.
Olavo, seus seguidores, alunos, simpatizantes e indicados para postos-chave começaram a gestão Bolsonaro como revolucionários, prontos a combater o “establishment”, fomentar a guerra cultural, varrer os “esquerdistas” da máquina pública e enfrentar até os militares, outra força-motriz da campanha, para estabelecer sua hegemonia intelectual e estratégica.
Logo nos primeiros embates com o estamento militar já houve baixas e desgaste. Olavo viu seu primeiro indicado para o Ministério da Educação, o colombiano Ricardo Vélez Rodriguez, ser demido ainda na aurora do governo, mesmo destino que tiveram olavetes como Silvio Grimaldo, também no MEC, e Letícia Catelani, na Apex.
Mas a ala da direita mais radical, que tinha o polemista como referência, manteve posições importantes no Executivo mesmo até o ano passado, quando a cizânia se intensificou.
E foi a necessidade que fez Bolsonaro jogar os olavistas ao mar, um a um. Abraham Weintraub e Ernesto Araújo perderam seus ministérios, mesmo destino de Ricardo Salles, que nunca chegou a ser um olavista de fato, mas surfou essa onda do radicalismo para se aproximar da família e do presidente.
Diante do avanço de investigações do Supremo Tribunal Federal sobre o financiamento de blogs, perfis e pretensos veículos de mídia de seguidores fanáticos de Olavo, Bolsonaro foi cortando os vínculos com as figuras histriônicas que estavam à frente desses negócios, o que levou a que Allan dos Santos e outros congêneres saíssem do país ou mergulhassem para não ser presos, destino que rondou inclusive o próprio Olavo (sem trocadilho com sua identidade nas redes sociais), também arrolado nos inquéritos presididos por Alexandre de Moraes.
Mesmo quem permaneceu com seus assentos no governo, graças a uma dívida de Bolsonaro e família com a construção dos primórdios do bolsonarismo, a partir das redes sociais e da mobilização de uma direita até então silenciosa, perdeu poder e prestígio. É o caso de Filipe G. Martins e dos integrantes do chamado “gabinete do ódio”, localizado nas adjacências da Presidência.
Martins foi um dos que lamentaram de forma mais dramática a morte de Olavo no núcleo bolsonarista, associando-a de forma bastante passional à “morte da filosofia” de direita.
As homenagens rendidas pela extrema direita não ofuscam a relativa indiferença dos canais oficiais do governo à perda daquele que escreveu os livros que provavelmente Bolsonaro não leu, mas tratou, por exemplo, de exibir nas lives logo depois de eleito, tamanha a importância simbólica que o escritor teve na construção da mitologia em torno do então deputado do baixo clero.
Alguns exemplos bastante concretos do declínio da ala ideológica nas decisões cruciais do governo (e, portanto, da campanha à reeleição de Bolsonaro) são o fato de Fábio Farias, um dos ministros mais poderosos da nova ala hegemônica, a pragmática, estar processando Ernesto Araújo, o mais leal súdito olavista a já ter tido espaço no primeiro escalão.
Igualmente eloquente é o fato de Abraham Weintraub contar com o veto de Bolsonaro para se filiar a um dos partidos mais radicais do arco de alianças em torno do presidente, o PTB do hoje terraplanista Roberto Jefferson e do empresário Otavio Fakhoury, um dos investigados nos inquéritos do STF.
Esse declínio de influência significa quem Bolsonaro perderá os votos da franja mais radicalizada na direita em outubro? Certamente não. Mesmo porque não existe mais ninguém a empunhar as bandeiras caras a esse grupo. Então eles vão de Bolsonaro a qualquer custo, mesmo que relativamente escanteados.
Também não significa que o presidente não fará acenos e mesuras aqui e ali a Olavo, os “herdeiros” de sua pregação e os radicais das redes sociais. O luto de um dia decretado por ele em homenagem ao ex-guru se inscreve nessa liturgia necessária. Por uma questão de novo matemática: ele precisa manter essa bolha de extrema direita e conquistar votos para fora dela (que espera obter à custa do uso indiscriminado do Orçamento entregue ao Centrão) para ir ao segundo turno.