Eleições na África do Sul: partido de Mandela pode precisar de aliança pela primeira vez em 30 anos

Partido do ex-presidente deve ter votação mais baixa da história e terá que formar alianças para permanecer no poder

Flickr/United Nations Photo

A população da África do Sul vai às urnas nesta quarta-feira (29). 27,6 milhões de eleitores são chamados para escolher 400 deputados, em uma disputa que envolve cerca de 50 partidos políticos. O Parlamento eleito será responsável pela escolha do próximo presidente do país.

Em entrevista à agência alemã DW, Steven Gruzd, chefe do Programa Africano de Governação e Diplomacia do Instituto Sul-Africano de Assuntos Internacionais, acredita que o partido governista ANC pode garantir uma pequena maioria. “A minha sensação é que, de alguma forma, o ANC conseguirá um pouco mais de 50%, mesmo que seja atualmente bastante impopular”.

As pesquisas eleitorais indicam que o Congresso Nacional Africano (ANC), partido do ex-presidente Nelson Mandela (1918 – 2013), no poder desde 1994, deve perder a maioria absoluta no parlamento, obtendo entre 40 a 46% dos votos. Caso se confirmem as projeções, será a primeira vez em 30 anos que o partido fica abaixo de 50% dos votos e terá que formar alianças para permanecer no poder.

O pior cenário para o ANC seria uma aliança com seu principal adversário político, o partido liberal Aliança Democrática (DA na sigla em inglês). 

Entre os possíveis cenários de coligações, estão o Economic Freedom Fighters (EFF), ramificação do ANC que defende a nacionalização de grande parte da economia ou com o UmkhontoWe Sizwe (MK –  a Lança da Nação em tradução livre do zulu), do ex-presidente Jacob Zuma (2009-2018), declarado inelegível  e excluído das eleições legislativas na última segunda-feira (20), devido a uma notificação à prisão de 2021.

Durante as 10 horas de debates no início de maio, o advogado de Zuma, Dali Mpofu, tentou argumentar que o ex-presidente não poderia ser considerado inelegível porque a sua pena de prisão – por desacato ao não comparecer a uma oitiva do inquérito sobre corrupção estatal durante sua presidência (2009-2018) – foi reduzida. Detido em julho de 2021, o político passou pouco mais de dois meses na prisão: primeiro ele obteve a liberdade condicional por motivos de saúde e depois uma redução da pena.

A Corte Constitucional, no entanto, determinou que apenas a duração da pena imposta é relevante, não o período de pena cumprido. “O senhor Zuma foi declarado culpado de uma infração e condenado a uma pena de prisão de mais de 12 meses. Portanto, não pode ser membro da Assembleia Nacional nem disputar as eleições”, declarou a juíza Leona Theron na decisão do Tribunal Constitucional da África do Sul.

O legado de Mandela em jogo

Trinta anos após a emblemática eleição de Nelson Mandela em 1994, que marcou o fim do regime de apartheid no país, a população negra luta para preservar a memória dessa conquista e enfrentar as forças neoliberais que mantêm a estrutura social do regime de apartheid intacta e o país como campeão mundial de desigualdade.

Se entre os eleitores mais velhos a divisão entre a lealdade ao ANC e as atuais preocupações do país existe, nos mais novos o desemprego, a violência e a escassez de água e eletricidade são alguns dos fatores que podem ser determinantes na escolha.

No seu discurso sobre o Estado da Nação, em fevereiro, o atual presidente, Cyril Ramaphosa, do ANC, no poder desde 2018  afirmou que a pobreza no país caiu de 71% em 1993 para 55% em 2020. Mas os números do Banco Mundial apontam para uma taxa de pobreza que estagnou em torno dos 62% a 63% desde 2008.

Tessa Dooms, analista política sul-africana, afirmou à agência DW que não é apenas o futuro do ANC que está em jogo nestas eleições, mas toda a experiência democrática do país.” Muitas pessoas estão desiludidas com a democracia neste momento”, comentou.

Em depoimento ao documentário o próximo passo: 30 anos da eleição de Mandela, lançado no final de abril pelo Brasil de Fato, o pesquisador sul-africano Jonis Ghedi Alasow, afirma que “há uma visão de que 1994 foi um primeiro passo, e um passo importante”, em referência ao dia 27 de abril daquele ano, data das primeiras eleições democráticas no país, em que pessoas de todas as raças tiveram direito a voto.

“Mas o segundo passo ainda precisa ser dado. 74% dos jovens estão desempregados na África do Sul. E, de novo, porque não mudamos realmente a estrutura econômica do apartheid. Isso é um fenômeno racial”, aponta.

Política externa

Integrante do Brics, grupo que tem sido impulsionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a África do Sul adotou a postura mais crítica a Israel em relação ao massacre contra a população palestina na Faixa de Gaza. Defensor da causa palestina, o governo de Ramaphosa acusou o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu de genocídio, diante da Corte Internacional de Justiça (CIJ), maior instância judicial da ONU, com sede em Haia, entre diversas outras representações contra as operações militares de Israel em território palestino.

Na última semana, Ramaphosa elogiou a iniciativa do procurador do Tribunal Penal Internacional (TPI), Karim Khan, de ordens solicitar ordens de prisão contra Netanyahu

“A África do Sul parabeniza a decisão do procurador do TPI Karim Khan. A lei deve ser aplicada de forma igual para todos para fazer com que o direito internacional seja respeitado, para garantir que os autores de crimes de ódio prestem contas de seus atos e proteger os direitos das vítimas”, diz um comunicado do gabinete do presidente sul-africano.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui