A destruição contínua da Amazônia, aliada a crise climática global, pode deixar milhões de brasileiros vivendo sob um clima de calor intenso, com sensações térmicas que podem superar se aproximar ou superar os 34º C —na sombra.
Essa situação de estresse térmico atingiria principalmente a região Norte do país e pode causar uma série de problemas de saúde para a população local, além do potencial prejuízo para o mercado de trabalho.
Uma nova pesquisa publicada na revista Communications Earth & Environment (do grupo Nature), na manhã desta sexta (30) chegou a essa conclusão aplicando modelos matemáticos para a situação climática brasileira.
Para fazer isso, os cientistas primeiro se basearam em dois cenários —um intermediário (RCP4.5) e um mais pessimista (RCP8.5)— criados pelo IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) para estimar como ficará a emissão de gases do efeito estufa nos próximos anos. Com isso, os pesquisadores foram capazes de apontar como, até o final do século, essa elevação global de temperatura se relacionaria com um processo conhecido como savanização da Amazônia.
A ideia desse conceito é que devido ao desmatamento, a floresta tropical com o tempo vai se transformar cada vez mais em bioma semelhante ao das savanas —um bioma com vegetação mais parecida com o cerrado brasileiro, com árvores de menor porte e mais esparsas.
Diversos estudos e projeções, inclusive, apontam que com o atual ritmo de destruição e degradação da Amazônia, esse cenário não está tão distante assim.
“As indicações são contundentes de que a floresta está em um processo avançado de savanização”, afirma Paulo Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e um dos autores do estudo.
Considerando ainda que a floresta é uma gigantesca bomba de água para a atmosfera, é de se esperar que o processo de savanização interfira na umidade e nas temperaturas da região —isso sem contar nas chuvas no resto do continente.
A soma da crise climática e da savanização levaria mais de 6 milhões de pessoas a um extremo risco térmico à saúde, com sensações térmicas próximas dos 34°C —isso no cenário intermediário de emissões do IPCC. Já se as piores previsões se confirmarem, a quantidade de brasileiros que estará exposta a esse estresse térmico extremo saltará para mais de 11 milhões.
“Uma das coisas que mais chamou a atenção é que o efeito do desamtameto tem a mesma magnitude do efeito total das mudanças climáticas”, afirma Nobre.
O limite de temperatura associado ao extremo risco à saúde humana começa na casa dos 34°C, como aponta a pesquisa. As simulações dos pesquisadores mostram que, no mês mais quente, a média diária de máxima de temperatura na sombra é maior que essa tempetura, chegando a uma máxima de 37°C no cenário intermediário do IPCC e de 41°C, no pessimista.
Segundo os pesquisadores, as pessoas seriam expostas por, no mínimo, uma hora por dia a essa sensação térmica. “Quando você tem 40ºC na sombra, para onde você vai? Onde você vai se esconder?”, diz Nobre.
De acordo com a pesquisa, as principais vítimas dessa situação vão ser as populações em condições de maior vulnerabilidade social. “Quando essas ondas de calor chegarem, não tem vacina. Não tem como se defender”, afirma Nobre. “O efeito combinado do desflorestamento, savanização e mudança do clima representa um perigo para a saúde pública que não tivemos até aqui.”
Mas toda a Amazônia vai realmente virar a savana? Não necessariamente. Segundo o pesquisador do Inpe, os modelos às vezes têm dificuldade de apontar a velocidade dos impactos das mudanças. Por isso, os cientistas decidiram exagerar a situação, para conseguir compreender o potencial impacto da floresta tropical —ou da ausência dela, no caso.
Segundo Nobre, não é preciso perder toda a floresta para haver o estresse térmico.
Não há mais como controlar um dos aspectos apresentados na pesquisa: a crise climática, já instalada e que necessariamente continuará a evoluir.
Mas a destruição da Amazônia ainda pode e precisa ser contida. Se o desmatamento não for controlado a tempo, a situação é de leite derramado, diz o pesquisador.
Além de zerar o desmate, Nobre aponta que o investimento em reflorestamento, e não só na Amazônia, é essencial.
“Parar de desmatar não é mais suficiente. No Titanic não era mais suficiente parar os motores para não bater no iceberg”, compara o cientista do Inpe.