Comitiva recorde, mais de 20 acordos e novo satélite: o que esperar da viagem de Lula à China

Parcerias em áreas como energia limpa e combate à fome estão na pauta da visita ao maior parceiro comercial do Brasil

O primeiro escalão do governo brasileiro está de malas prontas para embarcar rumo à República Popular da China. A missão diplomática, que ocorrerá nos últimos seis dias de março, será engrossada por parlamentares e empresários de diversos setores – um reflexo da dimensão comercial já existente e ainda em potencial na relação entre o Brasil e a potência asiática.

Os mais de 20 acordos que serão firmados em Pequim devem intensificar o já portentoso fluxo comercial entre os dois países. A China é a maior parceira comercial brasileira desde 2009. No ano passado, a balança entre os países superou a cifra de U$ 150 bilhões, além de ser a principal fonte de investimentos em todos os países da América do Sul.

Em sua terceira visita oficial como presidente, a primeira no atual mandato, Lula tem encontro marcado no dia 28 de março com Xi Jinping, reconduzido recentemente à presidência pela segunda vez. Apesar da variedade dos acordos em potencial, algumas áreas estratégicas foram antecipadas à imprensa pelo Itamaraty nesta sexta-feira (17).

De acordo com Eduardo Paes Saboia, Secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores (MRE), os dois países têm sido convergentes em intensificar agendas de meio ambiente, mudanças climáticas, transição energética e combate à fome. Temas favoráveis ao agronegócio brasileiro, que tenta reverter a restrição chinesa à importação de carne bovina, e setores ligados à indústria, comércio e biocombustíveis.

“A relação entre os dois países é boa, rica e densa, mas também, quando dois países em desenvolvimento se encontram, quando dois líderes se encontram, eles também falam para o mundo”, antecipou Saboia, a respeito de posições geopolíticas que podem ser tomadas em conjunto.

Precedentes indicam que convém esperar

Apesar do prognóstico otimista, o histórico indica que é necessário manter cautela. Essa é a avaliação de Alcides Costa Vaz, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, que enxerga a permanência de barreiras de natureza política dentro do Brasil e um cenário internacional mais exigente à China, segunda maior economia mundial e cujo Produto Interno Bruto (PIB) esse ano está projetado para ao redor de 5%.

“No início do primeiro mandato do Lula, houve uma aposta muito grande em obras de infraestrutura. A China seria um parceiro fundamental quando se falava das parcerias público-privadas e da atração do capital internacional para revigorar a combalida infraestrutura de telecomunicação. As expectativas foram relativamente frustradas, a despeito da importância comercial entre os dois países”, relembra.

Por outro lado, Thomaz Law, presidente do Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina), é menos cético. “É uma nova fase de relacionamento entre os dois grandes países e eu tenho certeza que vai ser uma relação muito próspera, mas ao mesmo tempo pensando em questões ambientais e num desenvolvimento econômico sustentável. O Brasil pode liderar uma pauta importante, que é a questão da energia limpa, e a China pode ajudar o Brasil com tecnologia”, opina.

Além de esperados aportes tecnológicos a projetos voltados à transição energética brasileira, o comércio eletrônico também é visto com grande potencial de capilaridade em diversos setores. Porém, o agronegócio continua sendo o carro-chefe das exportações brasileiras, especialmente de itens como soja, etanol, fibras e produtos têxteis e florestais, de acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Segundo o Itamaraty, há pelo menos 240 empresários brasileiros já confirmados para se somar à comitiva de Lula, que arcarão com os custos da viagem por conta própria. Espera-se atingir um número recorde de adesões a um encontro bilateral dessa natureza, o que simbolizaria a solidez dos 50 anos de relações bilaterais entre Brasil e China, celebradas em 2024.

Tensão entre potências

A missão brasileira tem sido vista como um contraponto à falta de resultados concretos da visita aos Estados Unidos, no início de fevereiro. Apesar do clima amistoso entre Lula e o presidente norte-americano, Joe Biden, com quem foram compartilhados discursos em defesa da democracia, houve poucos avanços em parcerias efetivas.

A frustração mais noticiada no Brasil tem relação com uma ainda esperada doação ao Fundo Amazônia. O enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, esteve em Brasília no fim de fevereiro e reiterou a intenção do governo estadunidense em colaborar com medidas de proteção às florestas brasileiras, mas não deu certeza sobre os valores.

Se houver progressos importantes em Pequim, o Brasil se moverá num panorama de disputa entre as duas maiores potências globais, que além de competirem pelos mercados mundiais também se contrapõem no conflito entre Rússia e Ucrânia. Um cenário tenso e que exige cálculos por parte da diplomacia brasileira.

“Se tratando de Estados Unidos e China, há uma dimensão de soma zero do ponto de vista político. A aproximação maior com um pode trazer prejuízo na relação com outro. Há um jogo de condicionalidades abertas. Nenhum dos dois sinalizou isso ao Brasil de forma explícita. Ou seja, se você se mover mais para cá, enfrentará mais dificuldades de lá”, explica Vaz.

A animosidade entre as duas maiores potências mundiais tem sido marcada por farpas trocadas entre porta-vozes de ambos os governos. Mesmo sem oferecer o mesmo apoio que os norte-americanos dão à Ucrânia na guerra, a China mantém relações comerciais e de defesa com a Rússia, onde Xi Jinping se encontrou com Vladimir Putin nesta semana. O presidente russo teve a prisão decretada pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, na Holanda, na sexta-feira (17), o que dificilmente irá ocorrer.

Questionado se a visita de Lula à China criaria uma saia justa para a diplomacia brasileira, Saboia amenizou o gesto. “O presidente Lula visitou os Estados Unidos, está visitando a China e visitará outros países. E eu ouvi que, nas próximas semanas, talvez o presidente da França, Emmanuel Macron, e outros presidentes visitarão a China. Então, é natural. As pessoas visitam China, visitam Estados Unidos, visitam Brasil, enfim. Visitas e contatos entre líderes ajudam a melhorar as coisas”, disse.

Resultados antecipados

Um dos principais acordos de cooperação bilateral já confirmados pelas diplomacias de Brasil e China prevê a construção e o lançamento em órbita de um novo satélite sino-brasileiro. A partilha de custos em projetos da Reunião da Comissão Sino-brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) ocorre há mais de três décadas e teve como marco o lançamento do primeiro satélite, em 1999.

O Programa de Satélites de Recursos Terrestres (CBERS) também já foi alvo de desconfiança de Washington, que teria passado a dificultar a importação de peças e componentes estratégicos dos EUA. Os brasileiros alegam que o sexto satélite da parceria continuará seguindo uma lógica não-militar.

“O CBERS 6 será o primeiro satélite desenvolvido entre os dois (países) que usa uma tecnologia que permite ao radar monitorar a floresta mesmo com nuvens. É um avanço”, alega Saboia. “Eu acho que se houver um acordo de cooperação que possa monitorar e preservar as florestas, isso tudo é muito importante para o desenvolvimento da humanidade”, complementa Law.

Outro resultado já garantido é a posse da ex-presidenta Dilma Rousseff no comando do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), nome oficial do Banco do Brics. A comitiva de Lula se encontrará com Dilma na etapa final da viagem, em Xangai, onde fica a sede do banco que investe atualmente R$ 4 bilhões no Brasil, principalmente em rodovias e portos.

Porém, o destino do Brics, bloco do qual Brasil e China fazem parte, junto de Rússia, Índia e África do Sul, deve permanecer sem respostas após a visita. É o que defende o professor Vaz, para quem o cenário internacional turbulento e as dificuldades de diálogo podem pesar.

“Embora interesse à Rússia abrir uma porta de diálogo, não podemos esquecer que Índia e China ainda têm importantes diferenças nas suas agendas bilaterais, como as questões de segurança, que nunca estiveram na agenda do Brics. Eu não vejo a perspectiva do bloco de modo tão promissor a curto prazo”, encerra.