Bloqueio do X: a verdadeira posição da China sobre a decisão de Moraes

Créditos: Fotomontagem (Wikipedia) - Elon Musk, Xi Jinping e Alexandre de Moraes

Fervilha entre brasileiros e brasileiras que moram na China uma declaração da diplomacia chinesa associada ao bloqueio da rede X (antigo Twitter) por decisão do ministro da Suprema Corte brasileira Alexandre de Moraes. A história não é bem assim.

No dia 29 de agosto, durante coletiva regular de imprensa do Ministério das Relações Exteriores da China, o porta-voz Lin Jian foi questionado pelo jornal chinês Global Times sobre o descontentamento e protesto contra a interferência dos EUA em assuntos internos de países da América Latina.

A pergunta do veículo chinês lista episódios de interferência de Washington em vários países latino-americanos: México, Honduras, Cuba, Venezuela e Bolívia. Mas não cita o Brasil.

Em resposta, Lin observa que embora os EUA tenham anunciado o fim da Doutrina Monroe (leia abaixo). Mas o fato é que, diz o porta-voz, pelos mais de 200 anos passados, o hegemonismo e a política de poder, que são intrínsecos à essa política externa, estão longe de ser abandonados.

“A China apoia firmemente a posição justa dos países latino-americanos em se opor à interferência estrangeira e salvaguardar a soberania de suas nações. Os EUA não devem ignorar as preocupações legítimas e o chamado justo dos países latino-americanos e fazer o que bem entenderem”, declarou o porta-voz.

Pequim, reforça Lin, insta os EUA a descartar o mais rápido possível a obsoleta Doutrina Monroe e o intervencionismo, parar as ações unilaterais de bullying, coerção, sanções e bloqueio, e desenvolver relações e ter cooperação mutuamente benéfica com os países da região com base no respeito mútuo, igualdade e não interferência nos assuntos internos um do outro.

“O hegemonismo e a política de poder dos EUA contrariam a tendência histórica incontível dos países latino-americanos de permanecerem independentes e buscarem força através da união. Tais abordagens não ganharão apoio e serão relegadas ao esquecimento histórico”,  finalizou.

A quais países se aplica o comentário da China

O comentário da diplomacia chinesa fez alusão aos seguintes episódios de interferência de Washington em questões internas de países da América Latina:

México – No dia 26 de agosto, o embaixador dos EUA no México, Ken Salazar, fez comentários sobre a reforma judicial em curso naquele país e afirmou que a abertura da eleição de juízes, ministros e magistrados para o voto popular comprometeria os acordos políticos e comerciais do México com os Estados Unidos. Em resposta, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, disse que o México “não é uma colônia de nenhum país estrangeiro” e que os EUA têm que “aprender a respeitar a soberania do México”.

Honduras – A presidente de Honduras, Xiomara Castro, anunciou em 28 de agosto que ordenou a suspensão do acordo de extradição entre seu país e os Estados Unidos. A medida foi uma resposta aos comentários feitos pela embaixadora dos EUA em Honduras, Laura Dogu, sobre diferentes altos funcionários hondurenhos que haviam viajado para a Venezuela. Castro, condenou os EUA, dizendo que sua “interferência e intervencionismo violam o direito internacional”.

Cuba – No dia 27 de agosto, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez Parrilla, disse pelas redes sociais que Havana está informada sobre atividades desestabilizadoras realizadas pela ong National Endowment for Democracy (NED) dos Estados Unidos e sua interferência nos assuntos internos de outros países“Cuba está bem ciente das atividades desestabilizadoras da NED disfarçadas em nome dos valores da democracia”.

Venezuela – Caracas frequentemente acusa os EUA de interferir em seus assuntos internos, especialmente em relação a eleições e políticas internas. Tanto que a Casa Branca não reconhece a vitória do presidente do país nas eleições de julho de 2024. Nesta segunda-feira (2), Washington anunciou o sequestro do avião presidencial de Nicolás Maduro, que estava localizado na República Dominicana.

Bolívia – No dia 7 de junho passado, o presidente da Bolívia, Luis Arce, declarou esperar que seu país se junte “em breve” ao BRICS, porque a adesão aceleraria o atual processo de industrialização de Sucre. Ele fez a declaração em entrevista à Sputnik no âmbito do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, na Rússia. Na ocasião, o mandatário afirmou que a Bolívia se beneficiaria de muitas maneiras ao entrar para o BRICS, especialmente em termos de tecnologia.

De acordo com a mídia chinesa, a Bolívia revelou ter sido pressionada pela “grande potência do norte” após expressar seu interesse em aderir aos BRICS. Embora não haja registros na imprensa dessa pressão ou qual seria essa potência, a general Laura Richardson, comandante do Comando Sul dos EUA, tem expressado preocupações significativas sobre as atividades da China na América Latina, o que inclui o BRICS.

Comentário da China se aplica ao Brasil?

A China não interfere em assuntos internos de outros países e não fez nenhum comentário sobre o caso específico de bloqueio do X, rede do bilionário Elon Musk, determinado pelo ministro Moraes, do STF. No que diz respeito à soberania digital, que pode ser um viés para abordar esse assunto, Pequim pode contribuir com o próprio exemplo.

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Nos últimos anos, a China tem investido pesadamente em desenvolver e adotar tecnologias domésticas para reduzir sua dependência de sistemas estrangeiros como o Windows da Microsoft. Muitas instituições e empresas chinesas utilizam sistemas operacionais locais, como o HarmonyOS.

A infraestrutura digital da China é fortemente controlada e monitorada, permitindo uma resposta rápida e eficiente a qualquer incidente de cibersegurança. Além disso, a política de armazenar dados localmente minimiza a exposição a problemas externos.

O sistema de filtragem e monitoramento de internet da China, conhecido como “Great Firewall”, controla rigorosamente o tráfego de dados que entra e sai do país. Isso isola efetivamente a infraestrutura digital chinesa de muitas vulnerabilidades e ataques que afetam outras regiões.

A China conta com organizações como o CNCERT/CC, que coordenam a resposta a emergências de cibersegurança de maneira eficaz. Essas organizações trabalham em conjunto com empresas locais, instituições acadêmicas e outros parceiros para garantir a resiliência e a segurança da infraestrutura digital.

Esse conceito de soberania digital é impulsionado pelo desejo de proteger a segurança nacional, promover o desenvolvimento econômico e garantir a estabilidade política.

Elon Musk e Xi Jinping

Se no Brasil o bilionário dono da rede X desafia e desrespeita a justiça brasileira, na China ele anda pianinho e segue à risca as leis da potência asiática. Ele, inclusive, já postou foto de encontro dele com o presidente chinês, Xi Jinping.

Reprodução X

Esse comportamento de respeito a Pequim não tem nenhuma relação com valores ou ideologia e sim ao bolso dele. Fica em Xangai, o centro financeiro da China, uma gigantesca fábrica da Tesla, empresa de veículos elétricos de Musk. A potência asiática é o segundo maior mercado da montadora que, em 2023, tirou de lá 33% de todo o seu faturamento anual.

O que é Doutrina Monroe

A “Diplomacia Monroe” é um termo que se refere à política externa dos EUA que evoluiu a partir da Doutrina Monroe, articulada pelo presidente James Monroe em 1823.

Essa doutrina declarava que qualquer intervenção europeia nas Américas seria vista como um ato de agressão que exigiria a intervenção dos Estados Unidos. Inicialmente, a Doutrina Monroe visava principalmente prevenir a colonização europeia adicional e a interferência nos assuntos políticos dos países recém-independentes do hemisfério ocidental.

Ao longo dos anos, essa política foi usada para justificar a influência e, em alguns casos, a intervenção direta dos Estados Unidos na América Latina e no Caribe, defendendo a ideia de que o hemisfério ocidental tinha interesses distintos dos da Europa.

Durante o século 20, particularmente durante a Guerra Fria, a Doutrina Monroe foi interpretada de maneiras que justificavam ações anti-comunistas e de suporte a regimes ditatoriais na América Latina, sob a premissa de evitar a influência soviética na região.

A diplomacia baseada na Doutrina Monroe tem sido criticada por promover um tipo de imperialismo ou hegemonia estadunidense, enquanto os defensores argumentam que ela foi crucial para proteger as Américas de conflitos e influências externas, especialmente durante os períodos críticos de conflito global.

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