Por que a China mudou de rota, mas não deixará de investir no futebol

As autoridades chinesas identificaram no futebol o seu caráter geopolítico e a possibilidade de usá-lo como instrumento das relações internacionai

A lista de clubes que participarão da próxima edição da Superliga Chinesa, divulgada no início desta semana, tem uma ausência notável. O atual campeão Jiangsu FC, que anunciara no dia seguinte ao título o encerramento de suas atividades, foi formalmente expulso pela Associação de Futebol da China (CFA) em razão da crise financeira da Suning, sua principal acionista. A peculiaridade fez com que muitos decretassem a falência do ambicioso projeto do país no futebol.

Mas tratar este momento como o estouro de uma bolha significa incorrer em duas imprecisões. A primeira, de cunho temporal: a dissolução do Jiangsu — e as de pelo menos outros 15 clubes das três primeiras divisões ao longo do último ano — é reflexo de um movimento iniciado ainda em 2017. O segundo é imaginar que os chineses “desistiram” do esporte. Trata-se, na verdade, de uma correção de rumo.

Apesar da paixão de Xi Jinping pelo futebol, a iniciativa passa longe de um devaneio do presidente. Pelo contrário: os chineses foram pragmáticos e traçaram um plano até 2050, com objetivos palpáveis, como sediar um Mundial, e outros ousados, como o de chegar à metade do século entre os 20 primeiros do ranking da Fifa (hoje, a seleção aparece em 74º). Estão envolvidos nesse esforço 11 ministérios, comissões e agências a níveis nacional e local, além do próprio departamento de propaganda do governo.

Em três anos, a China saltou da 20ª para a quinta posição no ranking dos que mais gastam para contratar jogadores, segundo relatório publicado pela Fifa. Nomes relevantes como Oscar, Witsel e Tévez — que acredita-se ter sido o mais bem pago do mundo àquela altura, desembarcaram por lá.

Foi nesse momento que os clubes brasileiros começaram a perder seus jogadores para a Superliga e que torcedores e até a mídia especializada especularam sobre a possibilidade de passarmos as madrugadas assistindo ao Campeonato Chinês.

O Estado percebeu, então, que permitia ao futebol uma autonomia incompatível com as características do próprio sistema e que a maneira como o setor se regulava não contribuía para o desenvolvimento do plano desenhado lá atrás: a liga seguia desequilibrada, com poucas estrelas em meio a muitos jogadores de baixo nível técnico; as jovens promessas do país não chegavam aos clubes comprados por chineses na Europa; entre outras frustrações.

A pandemia tem um peso, mas ela apenas acelerou um processo que estava em curso. Ainda assim, o governo tem feito esforços para manter a engrenagem girando. Ao menos quatro clubes foram “resgatados” recentemente pelo poder público local ou por empresas estatais municipais. Entre eles, o Cangzhou, que foi rebaixado à segunda divisão quando se chamava Shijiazhuang Ever Bright FC, esteve ameaçado de falência, mas foi salvo por uma empresa de construção civil da cidade homônima. Será justamente ele o herdeiro da vaga do Jiangsu FC na próxima edição da Superliga.

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